Wladimir Taborda, consultor em Saúde Pública e especialista em parcerias com Organizações Sociais, analisa a atuação dos hospitais filantrópicos no Brasil e os já conhecidos obstáculos que essas instituições enfrentam, como o subfinanciamento. Além da falta de recursos, o especialita fala sobre a necessidade de melhorar a gestão dos processos internos e a integração entre SUS e Saúde Suplementar.
Há insuficiência de recursos destinados aos hospitais filantrópicos?
Atualmente, a principal parcela do financiamento recai sobre os municípios e os estados, com progressiva redução dos repasses de recursos federais. Muitos municípios participam com 30% ou 40% dos seus recursos para a saúde e não com os 15% previstos na Constituição. Ao mesmo tempo, muitos Estados não aplicam os 12% constitucionais. É difícil precisar o tamanho do rombo orçamentário para o SUS, mas estima-se que o Ministério da Saúde deveria participar com mais de R$ 200 bilhões por ano, em contraste com os pouco mais de R$ 130 bilhões empregados no ano passado. Nosso PIB caiu nos últimos anos e foi de U$D 2.3 bilhões em 2015, com somente 4% deste valor sendo destinado à área da Saúde. A maior parte dos recursos da saúde (55%) é aportada pelas famílias e pelos planos de saúde. Esta equação é perversa, e cobra duplamente da sociedade civil, pois o dinheiro do governo é da sociedade, via cobrança de impostos.
E como podemos resolver este impasse?
Resolver o problema do subfinanciamento, especialmente dos repasses para o terceiro setor, exige soluções complexas. Uma alternativa prática seria simplesmente reajustar a tabela de pagamentos do SUS. Este modelo é inteligente e foi bem concebido, remunerando globalmente os procedimentos hospitalares e não por meio de conta aberta (fee for service) como ocorre no sistema privado. Estudos realizados pelo nosso grupo em São Paulo, comparando os resultados obtidos em hospitais gerenciados por OS com o faturamento possível pelo SUS, demonstrou serem necessários 3 ou 4 vezes os valores pagos pela tabela SUS para remunerar a qualidade assistencial obtida nesses hospitais. A revisão da tabela é urgente e poderia ser um passo para melhorar o equilíbrio financeiro dos hospitais filantrópicos.
O modelo filantrópico no Brasil deve ser rediscutido?
Sim. É urgente haver maior integração entre os serviços públicos e privados do Brasil. O SUS não é um sistema único, nem majoritariamente estatal. Cerca de dois terços dos leitos hospitalares pertencem ao setor não estatal – lucrativo e filantrópico – e o SUS não apenas necessita da rede privada (que hoje administra boa parte da rede pública por meio das OS, por exemplo), mas também fornece serviços de alta tecnologia para os usuários dos planos de saúde. Há que aumentar os níveis de coordenação entre o SUS e a saúde suplementar, para obter o melhor uso dos recursos disponíveis para a saúde. Só assim se poderá cumprir a possibilidade de ter um sistema realmente de cobertura universal, integrado e eficiente.
Como podemos melhorar os níveis de coordenação entre SUS e Saúde Suplementar:
Poderíamos oferecer todos os serviços de atenção básica na rede pública, assim como os serviços de alta complexidade como transplantes e tratamentos de câncer. Por outro lado, a rede de saúde complementar poderia realizar todo o atendimento secundário, como exames de diagnóstico por imagem e análises clinicas, além de consultas médicas de especialidades. Acredito que a complementaridade entre as redes é a única saída de médio e longo prazo para o Brasil. De qualquer forma, temos que melhorar a Saúde no Brasil. É vergonhoso ser a 9ª economia do mundo e apresentar os piores indicadores de saúde e desenvolvimento humano das Américas.
Qual o papel das entidades filantrópicas neste contexto?
As entidades sem fins econômicos podem colaborar muito para modificar este panorama, mas também precisam melhorar a gestão de seus processos internos. Os muitos anos de trabalho em parcerias público-privadas me levam a concluir que para colher bons resultados é importante estabelecer uma relação de transparência e de confiança entre o governo e os parceiros privados, escolher entidades idôneas, com experiência gerencial e espírito público, buscar integração permanente com o SUS, por meio de acompanhamento e controle social, além de aprimorar a avaliação e controle técnico de resultados gerenciais, em processo de aperfeiçoamento contínuo.