A descoberta de proteínas e metabólitos (pequenas moléculas que são produto do metabolismo humano) na urina de pessoas com e sem câncer de bexiga poderá ajudar, no futuro, a detecção precoce da doença. Os estudos estão sendo conduzidos pela pesquisadora Juliana Vieira Alberice, no Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP. “Outros estudos ainda necessitam ser realizados, mas os resultados obtidos até agora indicam que poderemos utilizar essas proteínas e metabólitos como biomarcadores para o câncer de bexiga”, aponta.
Segundo os pesquisadores envolvidos no projeto, “biomarcadores são moléculas que podem ser medidas experimentalmente e indicam a ocorrência de uma determinada função normal ou patológica de um organismo. Assim, podem ser utilizados como ferramentas não apenas para o diagnóstico como também para o prognóstico de doenças, que é uma previsão do resultado do tratamento”.
O estudo foi realizado durante a pesquisa de doutorado de Juliana no IQSC, sob a orientação do professor Emanuel Carrilho, coordenador do Bioanalytical, Microfabrication, and Separations Group (BioMicS), um dos grupos participantes do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Bioanalítica (INCTBio), no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
A pesquisa envolveu duas etapas: a detecção de biomarcadores para o diagnóstico de câncer de bexiga, e biomarcadores para a detecção da progressão da doença (quando o câncer evolui de baixo para alto risco) e para verificar as chances de reincidência após uma intervenção médica.
Foram utilizadas duas abordagens metodológicas: uma proteômica, que busca por proteínas diferencialmente expressas nesses grupos, realizada nos laboratórios do IQSC; e outra metabolômica, que busca identificar diferentes metabólitos envolvidos na doença. A segunda abordagem foi desenvolvida no Centro de Excelência em Metabolômica e Bioanálise (CEMBIO) da Universidade de San Pablo, em Madri (Espanha), com o financiamento obtido por meio de um convênio entre força aérea brasileira e Air bus military da Espanha.
Biomarcadores
Na análise proteômica, os pesquisadores coletaram a urina de 30 pessoas sendo 15 com câncer de bexiga e 15 sem a doença, no Hospital A.C. Carmargo, em São Paulo. “Fizemos algo chamado de pool, a mistura de volumes exatamente iguais para o grupos de pacientes e controle, separadamente”, explica. Por meio das técnicas chamadas de eletroforese bidimensional e OFFGEL foi possível separar as proteínas presentes nos dois grupos de amostras. Utilizando-se e do equipamento LC-MS (cromatografia liquida acoplada a espectrometria de massas), a pesquisadora conseguiu detectar 3 tipos de proteínas: as que estavam no grupo de pacientes, as que estavam no grupo controle e as encontradas nos dois grupos mas em quantidades diferentes. “Essas proteínas têm potencial para se tornarem biomarcadores para o câncer de bexiga. Mas para isso ocorrer, será preciso testá-los em uma grande população.”
Já na análise metabolômica, realizada no CEMBIO, em Madri, foram estudadas apenas pessoas com câncer de bexiga, de alta e de baixa possibilidade de progressão da doença. As amostras de urina dos dois grupos foram coletadas de 40 pacientes do Centro de Estudos Oncológicos de Madri. Juliana utilizou as técnicas de cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massa e eletroforese capilar acoplada à espectrometria de massas, além de estatística multivariada e de outros softwares, para separar e identificar os metabólitos presentes na urina dos dois grupos.
De acordo com Juliana, os resultados metabolômicos e proteômicos estão relacionados, aumentando, assim, as chances de eles se tornarem biomarcadores. “A proposta seria criar um kit que detecta, a partir da urina do paciente, se há câncer ou não, e qual o possível prognóstico para cada tipo. No Brasil ainda não temos nada parecido. Entretanto, no exterior, já existem biomarcadores semelhantes, mas eles não são utilizados para se obter o diagnóstico”, informa.
Outros estudos
Para se tornarem biomarcadores, novas pesquisas deverão ser realizadas para aprofundar esses resultados. Além de aumentar o número de amostras analisadas, o ideal seria que as análises proteômica e metabolômica fossem realizadas com as mesmas amostras de urina. Atualmente, Juliana dá continuidade à pesquisa em seu pós-doutorado no IQSC. Na última semana de maio, a pesquisadora embarcou para os Estados Unidos, a fim de participar de um congresso para expor esses resultados.
De acordo com os pesquisadores envolvidos no projeto, “o câncer de bexiga acomete homens e mulheres, sendo que, somente no Brasil, 8.600 novos casos ao ano são diagnosticados. Nos estágios iniciais o tumor é “silencioso” e alguns sintomas se manifestam apenas em estágios mais avançados. Além disso, os sintomas são comuns a outras doenças do trato gênito urinário, o que dificulta o diagnóstico preciso. A conduta padrão no diagnóstico e acompanhamento da doença é a cistoscopia transuretral, procedimento extremamente invasivo e doloroso, de elevado custo, além de não garantir todos os resultados. Por isso, a descoberta de biomarcadores que possam ajudar a avaliar a presença e o grau do tumor é de extrema importância. A descoberta dessas moléculas em urina também agrega grande valor à pesquisa, uma vez que o procedimento para coleta não é invasivo e o paciente não é exposto a procedimentos desconfortáveis e não tem sua rotina de tratamento alterada.”