A indústria de transformação brasileira sofre há anos com séries de resultados negativos. A falta de competitividade da indústria nacional está expressa na balança comercial de produtos industrializados do País. Em 2013, o déficit dos manufaturados atingiu cerca de US$ 105 bilhões, o pior resultado da história. Em consequência, a indústria viu sua participação no Produto Interno Bruto (PIB) recuar de 26% em 2012 para 24,9% em 2013. A tendência negativa pode ser explicada pelo baixo investimento em inovação tecnológica que leva o País a uma dependência extrema de produtos importados.
Prova disto é o déficit tecnológico brasileiro que acumulou US$ 93 bilhões em 2013, um crescimento de 11,5% em comparação a 2012. O dado elaborado pela Protec nos faz lembrar que o Brasil ainda não entrou no mercado de alta tecnologia e ainda tenta se garantir na exportação de produtos agrícolas. Hoje os setores do grupo de alta tecnologia – aeroespacial e aeronáutico, farmacêutico, material de escritório e informática, equipamentos de rádio, TV e comunicação, e instrumentos médicos de ótica e precisão – são responsáveis por US$ 32 bilhões do déficit da indústria de transformação do País.
Desses setores, o Complexo Industrial da Saúde (CIS), formado pela indústria farmacêutica e de dispositivos médicos, é o que mais vem impactando no resultado negativo do País por exigir uma maior complexidade em seus processos produtivos. Somente o CIS gerou um déficit de US$ 11 bilhões em 2012. Apenas a compra de medicamentos foi responsável por US$ 6,114 bilhões, e de princípios ativos por US$ 2,612 bilhões deste montante.
A questão primordial desse déficit é que a indústria nacional ainda não tem a liderança do processo de inovação e geração de medicamentos. Então sempre haverá a necessidade de medicamentos estrangeiros. Mais do que um alerta para o risco de desindustrialização, os números reafirmam a necessidade de uma política de Estado que priorize os investimentos em inovação tecnológica.
Neste sentido a possibilidade de a indústria nacional reduzir o déficit não é fácil. É preciso que haja uma intensa e persistente política de encomendas da área pública, que representa de 30 a 35% do mercado, e fortes estímulos ao desenvolvimento tecnológico das indústrias para que possam ter condições competitivas internacionais para exportar, substituindo e compensando a importação feita pelas grandes empresas multinacionais. Infelizmente isto ainda não está acontecendo.
Contudo é preciso ressaltar as iniciativas promovidas pelo Ministério da Saúde direcionadas à reversão deste déficit nos últimos anos. Entre elas, as Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDPs) são um marco da política industrial da saúde. Este instrumento vem incentivando a produção nacional de medicamentos de média e alta tecnologia para o tratamento de diversas doenças como Aids e câncer, além de imunossupressores para pacientes transplantados que estão listados como estratégicos para o atendimento das demandas do Sistema Único de Saúde (SUS).
Ainda é cedo para ter uma estimativa do impacto que esses medicamentos terão na redução do déficit quando passarem a ser produzidos no País, pois ainda estão em fase de estruturação ou de transferência de tecnologia para os laboratórios públicos. Porém, uma coisa é certa: muitas das empresas que fornecem para o SUS por meio de PDPs e também para o mercado interno tiveram sua competitividade beneficiada com a política de compras do Estado. Isso ocorre na medida em que este estímulo é capaz de gerar um fluxo de caixa promovido pelo fornecimento desses medicamentos para o SUS.
Outro fator que produz caixa nas empresas nacionais é a Lei dos genéricos. O problema é que o genérico não tem contribuído para a redução do déficit porque é baseado na importação, de no mínimo, dos princípios ativos, quando não do medicamento inteiro. A Lei deu força às indústrias brasileiras, mas agravou o déficit comercial. Neste aspecto, o País precisa de uma política que incentive a produção desses insumos farmacêuticos em território nacional, pois já passou da hora de a indústria verticalizar sua produção.
Agora é preciso uma política que transforme a robustez que muitas empresas brasileiras adquiriram com o desenvolvimento dos genéricos na produção de uma síntese local de melhor qualidade (me-toos) e na ampliação de seu portfólio de medicamentos similares e inovadores para o mercado. O País necessita de um forte estímulo porque a competição externa é dura e as empresas estrangeiras são muito mais robustas do que as nacionais como se pode ver na Índia e China.
Roberto Nicolsky é diretor-geral da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (Protec) e do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento de Fármacos e Produtos Farmacêuticos (IPD-Farma)