Quase um ano de isolamento social e distanciamento físico no Brasil. A “quarentena” que ainda não acabou trouxe profundas transformações que serão permanentes para toda a sociedade. Neuropsicóloga Leninha Wagner mostra que “sequelas” serão levadas para as próximas gerações como fruto das experiências vividas durante a pandemia.
Não é segredo para ninguém o quanto a Covid-19 trouxe um grande impacto nas vidas em nível global, chamando a atenção pelo alcance que teve e pela velocidade com a qual se disseminou. Alguns dados históricos, embora ainda muito recentes para uma análise rigorosa, revelam essa dinâmica espaço-temporal da doença.
Vale lembrar que a Organização Mundial de Saúde (OMS)recebeu a notificação, em 31 de dezembro de 2019, de casos de pneumonia na cidade de Wuhan, na China, com suspeita de serem provocados por uma nova cepa de Coronavírus. Uma semana depois, as autoridades chinesas confirmaram se tratar de um novo tipo do vírus, recebendo o nome de SARS-CoV-2. Ainda no mesmo mês, no dia 30 de janeiro, a OMS emite alerta de emergência de Saúde Pública de importância internacional devido à velocidade com a qual se espalhava entre os continentes e, em 11 de março, a situação é classificada, oficialmente, como uma pandemia, embora já se apresentasse em quase todos os continentes no mês anterior.
Diante deste contexto, a neuropsicóloga Leninha Wagner define que a pandemia terá impactos significativos e ainda não completamente dimensionados sobre a sociedade. “Trata-se de um evento inédito na história, dado que, no passado, epidemias parecidas se desenvolveram em um cenário de muito menor integração entre países e pessoas, divisão do trabalho e densidade populacional”.
Por se tratar de uma doença e de uma situação novas, Leninha destaca que “as lacunas de informação e conhecimento ainda são muito grandes: taxas de letalidade, potencial de transmissão, tratamento, existência de outros efeitos ou sequelas no organismo dos que foram infectados, todas essas informações ainda são preliminares”, reforça.
Mas há esperança. Afinal, como bem ressalta a neuropsicóloga a vacina “é a melhor aposta para controle da disseminação, a observação, coleta e análise dos dados seguem em franca pesquisa para posterior cruzamento de informações, no sentido de criarmos mecanismo que possam deter o futuro aparecimento de novas cepas. Impedindo assim novas ondas de transmissão”.
Passado este um ano de isolamento social no Brasil, Leninha Wagner acredita que já é possível afirmar que houve uma mudança profunda no comportamento humano. “A forma de se relacionar, de consumir (vender e comprar), na maneira de trabalhar e estudar. Tudo ganhou nova configuração. Jogamos luz sobre os problemas domésticos e a falta de harmonia familiar veio à tona. Tornando urgente a busca por uma “reconciliação familiar” ou realizando uma desconfiguração total, muitos casais separam durante a pandemia e tantos outros se casaram”.
De fato, tudo mudou, acrescenta a neuropsicóloga. “Lares foram desfeitos; bem como alguns receberam reforma e decoração novas. O brasileiro que sempre foi tão sociável e extrovertido, se tornou por um momento introvertido e ainda mais ansioso. Descobriu que tinha uma ‘família’ e que a casa não comportava seus membros. Assim, fomentou-se o setor da construção civil, reformas e decoração. Com a possibilidade de economizar, pois estavam impossibilitados de sair, viajar, diminuindo o consumo, obtendo forçadamente uma folga financeira, tornou-se possível mudar para uma casa/apartamento maior ou remodelar o que já habitava”.
Além disso, as doenças da alma também vieram à tona com força total neste período tão difícil. “A ansiedade e a depressão, também ganharam os holofotes, elevando o cuidado com a saúde mental ao grau máximo. Os atendimentos desse setor ganharam prioridade, rompendo o velho preconceito. Hoje sabemos de forma definitiva que temos um corpo que adoece e que precisa de tratamento e uma mente que da mesma forma e com a mesma urgência necessita de cuidado”, define Leninha.
Foi preciso também “aprender uma nova maneira de aprender”, explica Leninha. “A forma como a educação vinha sendo praticada, ficou obsoleta. Foi necessário aprender em tempo recorde utilizar a tecnologia a favor do aprendizado. Essa capacitação contemplou professores, pais e alunos. Aproximando os três segmentos da cadeia ensino/aprendizagem”.
Definitivamente, a pandemia transformou até a economia. Como ela bem recorda, “a forma de vender/comprar também foi alterada para delivery, os pequenos e microempresários de forma surpreendente se adaptaram e obtiveram maior resultado financeiro. Pois tornou-se desnecessário manter salas, escritórios, consultórios abertos. Evitando maiores despesas com taxas, aluguéis, mobiliários, trânsito, combustível, estacionamento”, salienta. Aliás, apesar de um primeiro momento assustador, “os mais bem adaptados, os mais flexíveis e abertos a mudanças, encontraram lugar no ‘novo mundo’, para continuarem atuando e aquecendo o cenário econômico”, acrescenta Leninha.
E uma mudança visual e profunda: a metáfora das máscaras. “Essa também foi algo surpreendente no cenário social. A pandemia nos fez utilizar máscaras para nos proteger do contágio pelo Covid-19, mas deixamos cair nossas próprias máscaras sociais. Fomos revelados no tempo cronológico, percebemos que não podemos manter o personagem durante muito tempo. A natureza primitiva de cada ser, se revelou, quem é de fato altruísta e solidário encontrou muitas oportunidades para demonstrar através de ações esse traço de personalidade. Quem é egoísta e egocêntrico encontrou legalidade na pandemia para seus argumentos de isolamento e distanciamento social”.
De tudo vivido durante este período, Leninha tem uma certeza de que essas mudanças ficarão para sempre: “A verdade é as transformações promovidas pela contingência da vida, no cenário pandêmico foram de caráter estrutural e entraram de forma definitiva para a história humana. O que for bom permanecerá e o que se tornar obsoleto ou inadequado, sofrerá novas mudanças. Porque assim é a vida, dinâmica, urgente em suas vicissitudes”, finaliza.