Em 2016 a Holanda foi eleita pela sexta vez o país com o melhor sistema de saúde da Europa de acordo com o Euro Health Consumer Index, que elaborou um ranking sobre os sistemas de saúde de 35 países no continente. Segundo o levantamento, alguns dos indicadores nos quais a Holanda se destacou foram, direitos dos pacientes e acesso à informação, acesso ao cuidado, pacote básico de seguradoras, listas de espera, resultados e prevenção.
O sistema de saúde Holandês garante acesso à saúde para toda a população ancorado no principio da solidariedade por meio dos seguros médicos. No entanto, essa realidade era muito diferente há 11 anos, quando o sistema de saúde passou por uma grande reformulação. De acordo com o cônsul da de inovação, tecnologia & ciência da Holanda para o Brasil, Nico Schiettekatte, o atual sistema de saúde é designado como um sistema de competição gerenciada. “É uma mistura de incentivos do mercado com garantias públicas. Isso significa que os clientes têm o poder de escolher a cada ano outra seguradora de saúde. Eles também são livres para escolher qualquer fornecedor de saúde, desde que esse fornecedor tenha um contrato com a empresa de seguro.”
Ainda de acordo com o cônsul, as seguradoras são incentivadas a competir e obter mais clientes. Elas podem fazer isso negociando preços menores e maior qualidade por parte de seus fornecedores, que são responsáveis pelo desempenho dos serviços contratados pelas empresas de seguros. Eles também podem perder seus contratos se não oferecerem os cuidados com uma boa qualidade e preço baixo.
Dentro desse sistema o papel do governo é ser responsável pelas políticas de prevenção e atuar como regulador para acessibilidade, qualidade e supervisão do mercado de saúde e o conteúdo do pacote básico, considerado relativamente amplo no país europeu.
Tecnologia como papel transformador
Considerados um dos principais alicerces para o desenvolvimento da saúde, as áreas de ensino e pesquisa desempenharam um papel fundamental para as mudanças que levaram o sistema ao topo do ranking da Euro Health Consumer Index.
Para conseguir a mudança de paradigma e a transformação almejadas pelo governo, a tecnologia também teve um papel. Um dos instrumentos desenvolvidos para isso foram os chamados “Health Deals”, ou, Acordos de Saúde. “São parcerias público-privadas (PPs)para estimular inovações de tecnologia médica. O objetivo é renovar certos aspectos do setor de saúde para que continue economicamente sustentável e para estimular empregos no setor”, completa Schiettekatte.
Essa abordagem, trabalhada há anos pelo governo já está no DNA do sistema. Acordos para desenvolver novas tecnologias e conter o orçamento envolvem todos os stakeholders da saúde como, associações de hospitais, especialistas médicos, clínicos gerais, seguradoras, organizações de pacientes, fornecedores de cuidados de longo prazo, fornecedores de cuidados com a saúde mental e, claro, o próprio governo, todos trabalhando sob uma perspectiva compartilhada.
Considerados um dos principais alicerces para o desenvolvimento da saúde, as áreas de ensino e pesquisa desempenharam um papel fundamental para as mudanças que levaram o sistema ao topo do ranking da Euro Health Consumer Index.
O foco da Holanda não está somente voltado para tecnologia de ponta, como impressões 3D de órgãos ou nanotecnologia, mas também em tecnologias de menor complexidade, como o e-health, sensores e aplicativos que contribuem com a qualidade de vida e a eficiência do setor de saúde. Dois outros aspectos importantes são a medicina personalizada e a pesquisa translacional, para que a inovação chegue do laboratório ao paciente em menor tempo.
“Na Holanda acreditamos que a inovação tecnológica médica é indispensável para manter a saúde acessível para todos e para obter uma economia de custos. Além disso, não é por acaso que a Holanda seja considerada o terceiro maior exportador mundial de produtos de tecnologia médico-hospitalar.
Mas também investimos muito em soluções técnicas de menor complexidade. Tanto a tecnologia de alta complexidade quanta a tecnologia de menor podem melhorar a qualidade da vida e podem ter o mesmo impacto”, afirma Schiettekatte.
Para estimular que o e-Health comece a fazer, cada vez mais, parte da realidade dos holandeses o Ministério de Saúde, Bem-Estar e Esporte estabeleceu metas em 2014 para serem cumpridas em um período de cinco anos. Essas metas têm como alvo principal a população idosa, pacientes com doenças crônicas home care. No final de 2015, por exemplo, cerca de 45% dos idosos vulneráveis e pacientes com doenças crônicas faziam suas próprias medições (peso, pressão, e glicemia). A meta do ministério é 75% dessa população até 2019.
Para estimular e promover o desenvolvimento do e-Health o ministério de Saúde, Bem-Estar e Esporte da Holanda, junto com organizações relacionadas, por exemplo, idosos, organizou no fim de janeiro dese ano o e-Health Week 2017.
A proposta da ação foi compartilhar e mostrar exemplos de e-health no país inteiro para que empreendedores, pesquisadores e cidadãos comuns pudessem interagir com produtos de e-health para gerar mais conhecimento sobre o tema, além de workshops que ensinavam como administrar e analisar dados médicos por meio de aplicativos.
Outra ação ocorrida durante a Health Week 2017, foi o oferecimento de atendimentos por teleconferência sobre saude primária promovidos pelos Centros Médicos Universitários.
Os desafios do sistema
Embora a Holanda ocupe o topo do ranking dos melhores sistemas de saúde da Europa, ela ainda encara os mesmos desafios da maioria dos países no mundo, o crescimento do número de doenças crônicas e o envelhecimento populacional em ritmo acelerado.
Além disso, os próprios pacientes estão cada vez mais exigentes devido ao acesso à informações de saúde, o que é considerado positivo. Mas o maior desafio – e velho conhecido de sistemas de saúde como o SUS, por exemplo – é como oferecer serviços de saúde de alta qualidade para todos por um preço justo.
Estes desafios foram também o motivo pelo qual o governo holandês, há dois anos, desenvolveu o “Programa Nacional de Prevenção”, que permeia diversos ministérios e foca em leis e regras, programas que estimulam políticas de saúde e promovem movimentos sociais, exercícios físicos, etc. “Um bom exemplo desta última parte é o programa Tudo é Saúde. Este programa tenta promover que as pessoas estejam conscientes que em todo lugar, e a toda hora, elas têm que pensar na saúde delas, no trabalho, na escola, em casa e no próprio bairro. Por isso, saúde é abordada cada vez mais em termos de funcionamento e participação na sociedade em vez de só no sentido somático ou psicológico”, acrescenta o cônsul.
Incentivando a pesquisa e inovação
Em 2011 o governo holandês apontou nove setores de maior relevância para a economia e a sociedade, batizados como “Topsectors”, entre os quais estão as Ciências da Vida e a Saúde. Em cada Topsector, governo, iniciativa privada, universidades, institutos de pesquisa e terceiro setor trabalham juntos em pesquisa e desenvolvimento para desenvolver inovações e colocá-las no mercado, beneficiando também o setor internacionalmente.
Este consórcio, fomentado pelo governo, inicia e estimula parcerias público-privadas multidisciplinares para gerar inovação. Em 2015 várias organizações se comprometeram a investir € 556 milhões em PPPs na saúde para os anos 2016 e 2017. Os fundos de saúde, que são de responsabilidade do Ministério de Saúde, Bem-Estar e Esporte pretendem investir €80 milhões em 2017 especificamente nessas PPPs, valor superior aos investimentos das empresas, institutos de pesquisa, fundações e demais atores individualmente.
Além dos Topsectors, outra inciativa para estimular tecnologia é a Organização Holandesa para Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde (ZonMw). Esta organização financia pesquisas em saúde e estimula o uso do conhecimento produzido. Os dois financiadores da organização são o Ministério de Saúde, Bem-Estar e Esporte e a Organização Holandesa para Pesquisa Cientifica (NWO).
“Por exemplo, a ZonMW investiu € 89 milhões em um programa nacional de cuidado com os idosos. Esta mesma organização foi também fundamental na criação da Iniciativa Holandesa de Dispositivos Médicos Inovadores (IMDI.nl), que pretende contribuir com a saúde nacional, economia e ciência. Eles trabalham junto com diversos parceiros no desenvolvimento de novos dispositivos médicos. Seu orçamento é de €14,4 milhões. E claro, existem vários outros exemplos de apoio e investimento na área da saúde”, explica Schiettekatte
Tecnologia, ensino e pesquisa ao longo da história
O ensino e a pesquisa são a base de muitos avanços na área de saúde na Holanda. Este conceito está gravado no DNA holandês, e pode ser notado ao longo da história como, por exemplo, na famosa obra de Rembrandt, “Lição de Anatomia do Doutor Nicolaes Tulp”, de 1632, na qual o pintor ilustra bem este vínculo histórico que a Holanda possui com a Saúde.
Além dos relatos por meio de obras de arte, a academia holandesa também coleciona conquistas por meio de grandes personalidaes como, Antonie van Leeuwenhoek, inventor do microscópio, Herman Boerhaave, considerado o fundador do ensino clínico e do hospital acadêmico moderno, Van ‘t Hoff (Nobel em 1901), Willem Enthoven (Nobel em 1924), Christiaan Eijkman (Nobel em 1929) e Willem Kolff, inventor do aparelho de hemodiálise.
Um exemplo mais recente que pode ser dado é o Prof. Dr. Ben Feringa, da Universidade de Groningen que, em 2016, foi contemplado com o prêmio Nobel de química ao produzir máquinas moleculares, consideradas o fundamento para a criação de nano-robôs que possam ser usados para detectar células defeituosas em pessoas.