A composição de um meteorito que caiu no México em 1969 é muito parecida com a de outro, caído no Egito, um ano depois. Dentes de crianças prematuras têm mais estrôncio (Sr) que o das que nasceram em tempo normal. Micro-organismos podem substituir a matriz orgânica de um fóssil, depositando ferro (Fe), cobre (Cu) e zinco (Zn) na rocha em que ele está fixado.
Essas e outras descobertas foram possíveis graças ao Laboratório de Análise de Materiais com Feixes Iônicos (LAMFI), do Instituto de Física da USP (IF/USP). Em 2014, ele bateu a marca de 60 mil análises. “Temos registros das análises desde 1994. Podemos afirmar com base neles que em 2014 completamos 20 anos de atividades e 60 mil análises realizadas”, comemora o diretor do LAMFI, Manfredo Harri Tabacniks.
Trata-se de um laboratório aberto – ou seja, disponível para a comunidade científica – gerido por um comitê de docentes do Instituto de Física e da Poli/USP. Utilizado por um grande número de pesquisadores e grupos de pesquisa, o LAMFI gera dados e resultados nas mais variadas áreas do conhecimento, pois permite a análise de diversos tipos de material – de dentes a obras de arte, passando por poeira cósmica, sangue, fósseis, rochas… Para ser usuário do LAMFI, basta consultar a agenda na internet (www2.if.usp.br/~lamfi/) e solicitar suas análises. Dependendo do caso, pode ser necessária a aprovação do Diretor do Laboratório.
Desde o início, o LAMFI foi criado como um laboratório multiuso, com comitê gestor interinstitucional. Essa característica se mantém até hoje, embora o grupo de Física Nuclear Aplicada do IF seja o maior usuário, e também o único grupo que se ocupa de encontrar meios para sua manutenção”, diz Tabacnik s.
Criado em 1992, o laboratório analisa entre 2 e 4 mil amostras por ano. Cerca de 25% dos usuários são de fora do IF. Instituições como a Escola Politécnica, a Unicamp, o Instituto de Tecnologia Aeronáutica (ITA), a FEI, a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e o Instituo Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) estão entre os usuários. O laboratório conta ainda com uma equipe de cinco técnicos, incluindo estudantes de mestrado e de doutoramento.
O equipamento central do LAMFI é um acelerador de íons tipo Pelletron-Tandem de 1.7MV (megavolts) e três linhas de feixe: duas internas e uma externa, essa última instalada recentemente. O acelerador de íons tem capacidade para acelerar partículas (alfas ou prótons) a 70 milhões de quilômetros por hora (o que dá, mais ou menos, 20 mil km por segundo).
As aplicações das metodologias experimentais no LAMFI envolvem principalmente as áreas de meio ambiente, arqueologia (arqueometria), arte (arteometria), geologia, paleontologia, ciências biomédicas, e ciência de materiais.
“A importância do LAMFI numa escala de 0 a 10 é 10. Não só pelo equipamento, mas pela dedicação e competência da equipe que o opera, pelo ambiente”, atesta Jean Michel Silva Pereira, mestrando em física da PUC-Rio que esteve em São Paulo utilizando o LAMFI para análise de amostras de meteoritos. Ali ele descobriu que o Isna, que caiu no Egito em 1970, tem composição muito parecida com o Allende, que caiu no México em 1969. “A medição feita no LAMFI reforça a teoria de que esses remanescentes experimentaram os mesmos processos durante a formação do sistema solar”, conclui Pereira.
Feixe externo – Em operação des de meados de 2014, a estação de feixe externo foi projetada e instalada entre 2012 e 2013, e inclui uma mesa com eixos coordenados XYZ com alta precisão para análises em ar (ambiente sem necessidade de vácuo). Financiado com recursos do Núcleo de Apoio à Pesquisa e do Núcleo de Apoio à Pesquisa de Física Nuclear e suas Aplicações (NAP-NAFNA), o equipamento foi projetado pelos membros do Grupo de Física Nuclear Aplicada (GFAA) e construído nas oficinas do próprio IF. Os membros do GFAA também conceberam o software para operá-lo.
A distância focal do arranjo é de apenas 5mm e o volume sensível é da ordem de 0,13 mm3. O porta amostras controlado por computador se movimenta até 60 cm em três direções com 5 microns de precisão (o mícron equivale à milésima parte do milímetro). “Existem dois ou três instrumentos como este no mundo. A mesa tem cinco diferentes detectores – dois de raio x, um de luz, um de partículas e um de raios gama. É um equipamento de grande precisão e muito útil para pesquisas geológicas e minerais, ou análises de uma forma geral, que é o que nós mais fazemos”, resume o professor Tabacniks.
Em junho, o Grupo de Física Nuclear Aplicada do IF vai participar da 22ª International Conference on Ion Beam Analysis, na Croácia, levando na bagagem as últimas novidades sobre os desenvolvimentos analíticos e resultados realizados pelo GFAA no LAMFI. “Estamos levando várias contribuições para a conferência, mas ainda não podemos adiantar muita coisa, pois, em pesquisas de ponta, resultados que ainda não foram publicados e devidamente avaliados pelos pares são considerados preliminares e não devem ser divulgados”, resume o professor Manfredo Tabacniks.