A Saúde Suplementar é um dos setores que mais se destacam na economia. Os números comprovam tamanha importância. Por ano, são gerados cerca de R$ 100 bilhões em pagamentos de internações clínicas e cirúrgicas, terapias de toda ordem, exames e consultas médicas. Mais de 25% da população brasileira são usuários de planos médicos privados, e mais de 10% são beneficiários de planos exclusivamente odontológicos. Além disso, 90% do atendimento dos hospitais brasileiros são feitos por meio de planos de saúde.
Para falar um pouco mais sobre este assunto, Marcio Serôa de Araujo Coriolano, Presidente da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), explica quais são os maiores gargalos que emperram a sustentabilidade do setor e o que podemos esperar para 2015.
1-Como o Sr. analisa o mercado de Saúde Suplementar atualmente?
Primeiramente, é importante destacar que o setor é um dos mais importantes da economia na atualidade. A Saúde Suplementar – em seu conjunto – movimenta mais de R$ 100 bilhões ao ano, em pagamentos de internações clínicas e cirúrgicas, terapias de toda ordem, exames, consultas médicas. Mais de 25% da população brasileira são de usuários de planos médicos privados – e mais de 10% são beneficiários de planos exclusivamente odontológicos. Os planos de saúde são responsáveis por aproximadamente 90% do atendimento dos hospitais brasileiros. Esses números refletem sua importância no mapa da saúde do país. Mas o segmento passa por um momento de prova. Os custos médicos sobem muito acima da capacidade de pagamento de empresas e famílias. Isso requer a superação urgente de desafios que se acumularam nos últimos 16 anos – desde que foi promulgada a lei que regulamentou os planos e seguros de saúde. Passado esse período – e diante das mudanças da economia brasileira e da adesão ao sistema privado de mais e mais cidadãos –, há necessidade de ajustes por parte de todos os agentes envolvidos na cadeia produtiva da saúde. Todos os agentes do setor precisam dobrar a curva de custo para baixo. Não há outro caminho a seguir senão rever o marco regulatório que contribui para o aumento dos custos médicos. Ele exige mais do que a sociedade quer e pode pagar. Afinal, após conquistar o acesso a serviços de assistência médica de alta qualidade – diversos dos oferecidos pelo atendimento público –, o brasileiro não quer abrir mão do novo padrão de vida. As taxas de crescimento da assistência privada – 3,5% ao ano, contra 0,8% do crescimento da população – falam por si mesmas.Essa importante transição, representada por custos insustentáveis, deve ser conduzida com a liderança da esfera governamental e ter o propósito de transformar um setor fragmentado por diferentes interesses em outro mais solidário em torno de ações que assegurem a saúde financeira das operadoras e a continuidade do atendimento aos beneficiários. O setor privado tem propostas e quer interagir com o público para o bem comum.
2-Incluir a sustentabilidade no dia a dia de seguros é um grande desafio. Qual seria o primeiro passo rumo à sustentabilidade na Saúde Suplementar?
A inclusão da sustentabilidade na gestão já é realidade nas operações dos 17 grupos associados à FenaSaúde. Mas as mudanças não podem ser propostas – tampouco implementadas – isoladamente. A cadeia de valor da saúde é longa e complexa. Começa com a pesquisa e produção de insumos, passa pela sua distribuição e atenção à saúde por parte de milhares de prestadores de serviços, é viabilizada pelo financiamento e gestão do cuidado por parte das operadoras privadas, e, ao final, atende aos mais de 70 milhões de brasileiros beneficiários.De 2007 a 2013, as receitas do setor cresceram 108,3%. Já as despesas assistenciais, no mesmo período, subiram 109,8% (veja tabela abaixo). Os gastos com saúde aumentam, principalmente, devido aos seguintes fatores: incorporação de novas tecnologias, em muitos casos, de forma acrítica e sem avaliação de seu custo-efetividade; aumento da frequência de uso dos recursos de saúde; novas coberturas adicionadas ao Rol de Procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS); gastos com OPME (Órteses, Próteses e Materiais Especiais). A escalada dos preços de medicamentos e materiais médicos também impacta sobremaneira as despesas com saúde. Some-se a esses fatores a crescente judicialização, que, pela concessão extra-contratos de coberturas, beneficia poucos e não o conjunto de beneficiários. São razões suficientes para que os governantes passem a patrocinar ativamente a coordenação dos agentes da cadeia produtiva da saúde em corajosa revisão do marco regulatório, mirando no longo prazo. É preciso mudar o paradigma da remuneração do cuidado médico. Transpor o pagamento pelas quantidades de procedimentos para um modelo que prestigie a solução efetiva da saúde dos cidadãos. A tecnologia médica deve estar a serviço dos pacientes, e não estimulá-los a experimentar terapias que não sejam aquelas comprovadas, de melhor custo-efetividade. Todos precisamos desenvolver a consciência sanitária, a da prevenção e a da co-responsabilidade com os recursos escassos, e caros, da Medicina moderna.
3-Como o Sr. analisa a atuação da ANS junto às operadoras a fim de encontrar propostas em comum que garantam a sustentabilidade do setor?
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) tem cumprido seu papel de regular e fiscalizar prazos, qualidade no atendimento e acesso às coberturas – atuação positiva para as operadoras de planos de saúde, porque torna o mercado mais homogêneo e consistente em termos de qualidade na prestação de serviços.Positivamente, a Lei 9.656, em vigor desde 1999, regulou os contratos, passou a definir e atualizar o Rol de coberturas, o tempo de carência, os reajustes dos planos individuais e familiares. Além disso, criou critérios econômicos, exigindo garantias financeiras de quem pretende permanecer no mercado. Mas a Agência Reguladora precisa voltar suas atenções também para outros aspectos – olhar o todo. Entre os pontos críticos, citemos a incorporação, sem visão de longo prazo, da inovação da tecnologia médica, que ingressa no mercado sem qualquer disciplina racional; a ampliação indiscriminada das “coberturas” aos contratos; a modalidade de remuneração do ato médico com base na quantidade de procedimentos realizados; a valoração dos serviços de saúde ancorada na margem de lucro sobre preços de materiais e medicamentos utilizados. Atuar para equacionar essas questões é o grande desafio da ANS.
4–Por outro lado, qual é o papel do médico neste contexto?
Adicionalmente ao seu fundamental papel de cuidar da saúde dos cidadãos, médicos precisam refletir sobre os impactos econômicos de suas decisões nos sistemas de saúde, que afetam toda a sociedade. Nisso, inclui-se a necessidade de prescrição de tratamentos e materiais com preços mais acessíveis, que produzam os mesmos resultados clínicos. Incorporar a cultura do combate ao desperdício. A classe médica também deve ser fiscalizadora de eventuais desvios cometidos por alguns colegas. Citemos, por exemplo, os casos que envolvem fraudes com Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPME), que precisam ser enfrentados o mais rapidamente possível, consequentemente, tornando mais transparente o mercado distribuidor destes materiais, em sua política de custos e ganhos. São posturas fundamentais à sustentabilidade do sistema, desafio que requer o empenho de todos.
5-Como a regulação de equipamentos, tecnologia e materiais, bem como a atuação da Anvisa, interfere nos custos do setor? O que deveria mudar?
O avanço da Medicina permitiu enormes ganhos no campo da saúde. No entanto, não podemos ignorar que há uma incorporação acrítica de novas tecnologias ao Rol obrigatório de coberturas da ANS, que vem pressionando as despesas assistenciais e pode ameaçar a sustentabilidade do sistema. No âmbito da ANS, ao impor novas coberturas, a Agência deveria partir de estudos consistentes de Avaliação de Impactos Regulatórios (AIR), como recomenda a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a agências reguladoras de todo o mundo. As incorporações devem se justificar tecnicamente e, do ponto de vista custo-benefício, favorecer a coletividade. Além disso, um dos grandes desafios regulatórios do setor é a necessidade de mobilizar outras esferas do governo, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – que trata e regula o uso de medicamentos, insumos, materiais, entre outros itens – e o próprio Ministério da Saúde.
6–Muito se fala sobre o reajuste dos planos de saúde, que muitas vezes vai além da capacidade de pagamento da população. Em contrapartida, há também o aumento do custo médio hospitalar. Como é possível equilibrar esta balança?
Autorizadas pela ANS, as operadoras promovem ajustes anuais nas mensalidades dos planos para recompor o poder de compra dos contratos – ou seja, para repor as perdas inflacionárias. Se há perda do poder de compra, este precisa ser corrigido, trata-se de um mecanismo simples da economia. Mas, não obstante, a pressão dos custos sobre as mensalidades dos planos é muito superior à inflação geral de preços e sofre, diretamente, o impacto do aumento da frequência de uso da assistência médica e de uma acelerada incorporação de novas tecnologias ao longo da cadeia produtiva da saúde. É preciso ajustar o custo da Medicina à capacidade de pagamento da população brasileira, que, premiada com a conquista da longevidade, usará por mais tempo os serviços de saúde. Os preços, no entanto, precisam ser suportáveis pela sociedade.
7-Como podemos equilibrar os sistemas de saúde público e privado e, com isso, toda a cadeia da saúde?
O Sistema Único de Saúde (SUS) foi concebido para fornecer infraestrutura de saúde pública universal, atendendo, com qualidade, aos mais de 200 milhões de brasileiros. É obrigação do poder público oferecer atendimento para todos – beneficiários ou não de planos de saúde. Já seguros e planos de saúde – que hoje atendem a mais de 70 milhões de brasileiros com planos médicos e odontológicos – foram idealizados para oferecer assistência de forma suplementar, sem que o cidadão tenha perda de direitos em relação à assistência pública. Logo, cada pessoa que recorre ao plano de saúde e deixa de utilizar os serviços do SUS desonera o sistema público. Mas houve uma inversão dessa lógica. Diante da precarização dos serviços públicos, houve um aumento expressivo da procura por serviços privados que hoje supera muito a capacidade instalada desenhada para outro volume de demanda. Essa equação não é simples. Solucioná-la requer ambiente favorável aos investimentos – em hospitais, laboratórios, redes e novos produtos. E incentivo governamental para que tudo isso se materialize.
8-Estamos diante de várias tendências determinantes para a sustentabilidade do setor, como envelhecimento da população e doenças crônicas. O setor está preparado para enfrentar este dilema?
Esta é uma das pautas mais importantes das associadas à FenaSaúde – por serem as operadoras as organizadoras deste sistema. Mas não existe fórmula mágica, tampouco forças que, isoladamente, sejam capazes de produzir transformações. O envelhecimento da população vem se acelerando e impactará as despesas com saúde, uma vez que as doenças crônicas prevalecerão, demandando mais assistência médica – que se torna cada vez mais cara. Brasileiros permanecerão mais tempo na ativa e estenderão o uso dos serviços de saúde. Desta forma, as políticas de financiamento do sistema privado de saúde também precisam acompanhar as mudanças. Em alguns momentos, deve-se recorrer ao exemplo da economia doméstica, que traz muitas lições: gasta mais do que ganha? A conta não fecha.
9-O que o setor de Saúde Suplementar pode esperar em 2015?
Houve uma desaceleração na aquisição de planos e seguros de saúde nos últimos três anos. De 2012 a 2013, o aumento foi de 3,7%, enquanto de 2013 a 2014, recuou para 2,5%. Embora o setor ainda seja privilegiado, a previsão é uma taxa de crescimento de 2% para 2015, ano em que se espera um PIB negativo. Mas há também muita especulação negativa. O setor é vigoroso e essencial – não por acaso está no centro das discussões nacionais. O momento é de ações propositivas, não de perder tempo com prognósticos pessimistas. E as operadoras de saúde associadas à FenaSaúde vêm liderando o debate em prol da reforma regulatória e de ajustes que mirem na sustentabilidade do sistema – é nossa missão, nosso foco.
10-Qual a sua opinião sobre a lei 13.003, que obriga a existência de contratos escritos entre operadores de planos de saúde e seus prestadores de serviço?
Por ocasião das discussões sobre a Lei 13.003, as afiliadas à FenaSaúde manifestaram lamentar que a Lei nº. 13.003, de 2014, preveja interferência da ANS na negociação contratual entre dois entes privados: as operadoras de planos de saúde e os prestadores de serviços de saúde. A razão é simples e permanece: em cenários de escalada dos custos assistenciais, como o que testemunhamos hoje, a livre iniciativa e a liberdade de contratação são base para o estímulo à concorrência, consequentemente, a proteção do próprio consumidor.No caso da fixação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) como indicador para reajustes entre operadoras e prestadores de serviços, a Federação acredita que esta indexação desestimula os prestadores a negociar, sendo prejudicial à própria concorrência. Além disso, retroalimenta a “inflação” setorial e a variação de custos médico-hospitalares (VCMH), que já tem crescido acima dos índices de inflação geral da economia.
Marcio Serôa de Araujo Coriolano – Presidente da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde)