A solidão no Reino Unido é uma questão de Estado. Este mal, que afeta nove milhões de britânicos, segundo um estudo recente, terá sua própria Secretaria no Governo. E Tracey Crouch, deputada conservadora de 42 anos, será a secretária de Estado para a solidão. A primeira ministra, Theresa May, anunciou nesta quarta-feira, dia 17 de janeiro, a nomeação de Crouch, que estará à frente de um departamento com responsabilidade pelas políticas relacionadas à solidão.
“Para muita gente, a solidão é a triste realidade da vida moderna”, disse May. “Quero confrontar esse desafio de nossa sociedade e que todos nós comecemos a agir para abordar a solidão de que sofrem os mais velhos, os cuidadores, aqueles que perderam seus entes queridos, pessoas que não têm ninguém com quem conversar ou compartilhar seus pensamentos e experiências.”
O relatório conclui que a solidão costuma estar associada a doenças cardiovasculares, demência, depressão e ansiedade, e pode ser tão prejudicial para a saúde quanto fumar 15 cigarros por dia. Cerca 200.000 pessoas idosas no Reino Unido não tiveram uma conversa com um amigo ou familiar em mais de um mês. O Governo sozinho, adverte o relatório, não pode resolver um problema que exige uma “ação coordenada”. “Os empregadores, as empresas, as organizações da sociedade civil, as famílias, as comunidades e os indivíduos têm um papel a desempenhar”, acrescenta.
A medida responde a um exaustivo relatório de uma comissão parlamentar que dá continuidade ao trabalho de Jo Cox, a jovem deputada trabalhista assassinada por um ativista de extrema direita na reta final da campanha do referendo do Brexit. A solidão é um dos temas aos quais Cox dedicou sua carreira política.
A criação da secretaria de Estado faz parte de uma estratégia mais ampla do Governo que, seguindo as recomendações da Comissão de Jo Cox, compilará estatísticas, trabalhará em um método para medir a solidão e financiará coletivos que trabalhem com a integração entre as pessoas. “Estou segura de que, com a ajuda de voluntários, ativistas, empresas e meus colegas de parlamento, poderemos alcançar progresso suficiente no combate à solidão”, disse Crouch.
A “epidemia” de solidão tem a ver, explica a Comissão, com o enfraquecimento de uma série de instituições que tradicionalmente teciam conexões entre as pessoas, como sindicatos, igreja, família, pubs e centros de trabalho. Inclusive os caixas dos supermercados, um dos últimos bastiões de conversas para pessoas idosas, estão sendo substituídos por máquinas automáticas.
“Quando a cultura e as comunidades que antes nos conectavam uns com outros desaparecem, podemos ficar abandonados e excluídos da sociedade”, explicou a deputada trabalhista Rachel Reeves, presidenta da Comissão de Jo Cox, em dezembro passado. “Nas últimas décadas, a solidão passou de desgraça pessoal a epidemia social. Cada vez mais pessoas vivem sozinhas. Trabalhamos em casa. Passamos mais tempo do dia sozinhos do que há 10 anos. Às vezes parece que nosso melhor amigo é o celular.” Reeves se aventurou a dizer que William Beveridge, um dos pais do Estado de bem-estar britânico, teria acrescentado, se vivesse agora, a solidão como o sexto dos “grandes males da sociedade”, junto com a indigência, a doença, a ignorância, a sujeira e a ociosidade.
A solidão, além disso, tem um custo econômico para o Estado. Dez anos de solidão de uma pessoa idosa, segundo estudo recente da London School of Economics, representam para os cofres públicos um custo econômico extra de 6.000 libras (mais de 26 mil reais), em saúde e pressão aos serviços públicos locais. Afirmam que o Estado deverá contemplar a solidão como assunto de saúde pública, assim como a obesidade e o tabagismo. O estudo chama a combater o estigma da solidão e conclui que preveni-la é um bom negócio: cada euro investido em prevenir a solidão, indicam os especialistas, gera três euros de economia.