Que as mulheres são a maioria dos trabalhadores na Fiocruz, isso é indiscutível. Elas representam 51,6% da força de trabalho da Fundação. Ao todo, 6.359 mulheres entre servidoras e terceirizadas. Desse total, 2.745 possuem especialização em nível médio ou nível superior, mestrado ou doutorado, segundo os números de junho de 2014. Mas, sendo uma instituição voltada também para a pesquisa, qual tem sido o papel delas na Fundação? Para responder a esta pergunta, a pesquisadora Jeorgina Gentil, aluna de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS), realizou uma pesquisa detalhada para a sua tese – Gênero, ciência & tecnologia e saúde: apontamentos sobre a participação feminina na pesquisa na Fundação Oswaldo Cruz, defendida em fevereiro deste ano.
Em seu trabalho, Jeorgina optou pelo estudo de gênero. “Foi um exercício em que ofereço neste estudo ‘meu olhar estrangeiro’ sobre o tema. Desde Marie Curie, os estudos de gênero privilegiam figuras ímpares, as exceções à regra de sua época, e não necessariamente o esforço de um conjunto de pesquisadoras no desenvolvimento científico nacional”, explica. A pesquisa cobriu o período de 1996 a 2013 e aponta alguns resultados muito interessantes. Dados mostram que, em maio de 2012, havia na Fiocruz um total de 1.064 servidores com titulação de doutorado, sendo 654 (61,5%) mulheres e 410 (38,5%) homens. A produção bibliográfica das mulheres no período estudado foi de 345 artigos e a dos homens ficou em 225. Apesar disso, a média de artigos publicados pelas mulheres (12,6 artigos/mulher) é inferior aos dos homens – 19,2 artigos/homem. As informações foram levantadas em consulta ao Portal Transparência, do Governo Federal, e permitiu identificar o total de servidores que entraram por concurso público e que, no momento do estudo, possuíam titulação de doutorado. Ao todo, foram 571 servidores, sendo 346 (60,6%) mulheres e 225 (39,4%) homens.
Partindo desses dados, Jeorgina Gentil buscou na Plataforma Lattes os currículos cadastrados de cada um desses servidores e, por meio de uma base de dados especialmente desenhada para recebe-los e, em seguida, o total de referências foram migradas e tratadas no software de mineração de dados, o VantagePoint, o que permitiu análises quantitativas da produção acadêmica e técnica, das orientações, do acesso às bolsas de produtividade e de prêmios. “Em paralelo, uma segunda perspectiva de análise documental foi realizada com vistas a mapear a participação feminina em postos de tomada de decisão na Fiocruz”, explica a ex-aluna do PPGICS.
O estudo realizado reafirma mais uma vez a crescente importância da participação feminina na ciência. Segundo os dados de 2012 divulgados pela Academia Brasileira de Ciências, no Brasil cerca de 12,45% dos cientistas são mulheres, tornando o país o quinto no mundo em participação feminina na ciência, ficando atrás apenas de Cuba (28%), México (23%), Canadá (14%) e Costa Rica (12,5%), e à frente dos Estados Unidos (11%) e da Inglaterra (5%).
Apesar da jornada tripla (trabalho doméstico, estudos e emprego), que cria obstáculos à mulher para que ela possa ter uma dedicação maior à carreira, os números encontrados na Fiocruz são otimistas, conforme explica Jeorgina Gentil: “no que diz respeito aos indicadores gerados internamente, observou-se que as mulheres são majoritárias na liderança dos grupos de pesquisa e dos projetos fomentados internamente”, afirma.
A despeito do dado positivo, a pesquisadora pondera: “apesar das evidências apontarem que as servidoras doutoras da Fiocruz têm participado cada vez mais das atividades de ciência e tecnologia nacionais, elas ainda não avançaram nos cargos de alta direção da Fiocruz”. Segundo ela, “é possível constatar a segregação vertical, fenômeno conhecido na literatura como “teto de vidro”, que caracteriza-se pela menor velocidade com que as mulheres ascendem na carreira e que resulta em sua subrrepresentação nos níveis ocupacionais mais altos e de maior prestígio.” Mesmo assim, Jeorgina observa que “nas instâncias propositivas internas da Fiocruz, as mulheres vêm ganhando espaço”, e cita o exemplo do Coletivo de Dirigentes – espaço institucional constituído por funcionários que detém cargos de direção e assessoramento superior – “onde aparece um número crescente de mulheres em postos–chave na instituição”.
Para aumentar a participação da mulher, Jeorgina Gentil propõe algumas ações positivas: “a presença da Fundação nos programas de inclusão da mulher é uma realidade institucional. Mas, para um maior reconhecimento da mulher na Fiocruz são necessárias ações como conceder licença à gestante para bolsistas nas diferentes fases de formação científica e garantir creches abertas também aos demais vínculos”, conclui.