Decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a suspensão de todos os processos judiciais em tramitação no país que pedem o fornecimento de remédios que não estejam na lista oficial do Sistema Único de Saúde (SUS). Esse é mais um efeito da chamada judicialização da saúde brasileira. Com um Executivo e um Legislativo pouco ativos nas questões sanitárias, vive-se a era do litígio para se buscar uma solução para os conflitos que envolvem o acesso a remédios, cirurgias, coberturas de planos de saúde, entre outros problemas.
A referida decisão do STJ tem como objetivo reduzir a discussão sobre esse tema e colocar um freio na crescente vertente judicial da saúde. Ano passado, segundo dados da União, a judicialização consumiu R$ 7 bilhões nas esferas municipais, estaduais e federal.
O ministro Benedito Gonçalves, relator do caso no STJ, deixou bem claro que a ideia não é “trancar” o julgamento das ações, mas, sim, uniformizar a interpretação de temas controvertidos nos tribunais do país.
A determinação da Corte Superior, entretanto, não impede que os juízes de primeira e de segunda instância do Judiciário avaliem demandas consideradas urgentes e que concedam liminares determinando a liberação de remédios necessários. Vale ressaltar que com esse posicionamento da Corte Superior, os pacientes terão que comprovar a urgência do pedido, especificando a eficácia, a efetividade e a segurança do medicamento requisitado. O que é muito bem-vindo para se evitar gastos desnecessários e o lucro indevido de indústrias farmacêuticas, em muitos casos.
No caso julgado, o TJ-RJ manteve uma sentença obrigando o Estado a fornecer três colírios a uma mulher com diagnóstico de glaucoma, que alegou não ter condições financeiras para adquirir os remédios, os quais não estão na lista do SUS. Para o tribunal, o poder público deve fornecer assistência médica e farmacêutica aos que dela necessitarem, conforme a Constituição Federal e a Lei 8.080/90. Já o Estado do Rio entendeu que o SUS deve distribuir apenas os medicamentos previstos em atos normativos do Ministério da Saúde. Essa é sempre a controvérsia instaurada nesse tipo de ação. Diga-se de passagem, ainda há aqueles medicamentos postulados judicialmente que sequer tem aprovação pela Anvisa ou que tem uso off label.
Este vácuo na interpretação das leis, da real necessidade dos pacientes e da efetiva falta de estrutura do SUS, leva milhares de casos aos tribunais. Esta pauta deverá ir além da decisão dos juízes e magistrados. É urgente que se defina uma política pública para se monitorar quais são as principais demandas e evitar que elas se direcionem para o Judiciário.
Sem dúvida, grande parte das ações que envolvem medicamentos, exames de alta complexidade e cirurgias são urgentes. Pacientes, normalmente, só procuram a Justiça quando correm risco de morte e após terem ouvido respostas negativas por parte da Administração Pública ou ainda das operadoras de planos de saúde.
Dados recentes revelam que no Estado de São Paulo, os gastos para atender 47,1 mil ações ultrapassaram R$ 1 bilhão. Segundo a Secretaria de Estado da Saúde, 90% do valor gasto hoje atende a 4% do total de medicamentos solicitados judicialmente. Outro registro dá conta de que entre 2016 e junho de 2017 já são sete mil novos processos.
A judicialização, inclusive, tem sido a forma que o próprio poder público espera para resolver os problemas dos cidadãos. Isto porque os gestores poderão, pela força do mandado judicial, justificar perante o Tribunal de Contas o gasto não previsto em seus orçamentos. Pior é pensar que os processos judiciais servem não apenas para justificar tais gastos do governo com a compra dos medicamentos, mas também geram outras despesas inerentes ao processo judicial. O poder público, portanto, gasta ainda mais do que o faria se apenas fornecesse diretamente o que pleiteiam (necessitam) seus cidadãos – um contrassenso jurídico-administrativo.
O Judiciário não pode continuar a ser a porta de saída dos direitos constitucionais ou a única forma de o cidadão conseguir o desejado acesso universal à saúde. Falta bom senso também aos pacientes, médicos e operadores do direito que acabam por exigir certos medicamentos que poderiam ser substituídos por outros com o mesmo princípio ativo. Ademais, o dinheiro público deveria atender ao máximo possível de pessoas e não servir para a compra de medicamentos caríssimos que irão favorecer a um único indivíduo em detrimento de muitos.
Claro que para o indivíduo que está em busca de uma cura, mesmo já quando não há mais possibilidade real, qualquer esperança será perseguida. Todavia, discute-se se este deve ser o destino dos parcos recursos para a saúde.
Não se olvide que as denúncias que assolam o país de desvio de dinheiro, de uso indevido de recursos destinados à saúde, através de superfaturamento de medicamentos, equipamentos órteses e próteses corroboram para que o bom senso prevaleça. Esses escândalos servem para banalizar o conceito do individual e do coletivo. Cada um pensará somente em suas necessidades, assim o Judiciário acaba por ser a forma de furar fila para exames, transplantes, cirurgias e medicamentos.
Momento de refletir e de buscar mudanças – o STJ deu o exemplo.
*Sandra Franco é consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde, presidente da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico-Hospitalar da OAB de São José dos Campos (SP), presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde, membro do Comitê de Ética da UNESP para pesquisa em seres humanos e Doutoranda em Saúde Pública.