Com a decisão do governo paulista de suspender a pesquisa com a substância fosfoetanolamina, a “pílula do câncer”, chega ao fim um dos episódios mais bizarros da história da ciência brasileira.
Tudo nesse caso soa inverossímil. A começar pelo fato de um professor da USP ter passado mais de 20 anos fabricando as tais pílulas e distribuindo-as na universidade, sem nunca ter feito um estudo clínico para se certificar da eficácia e da segurança.
Quando o professor se aposentou, a produção e distribuição foram interrompidas, e os doentes entram com ações judiciais para voltar a receber a droga. Mesmo sem prova de que a substância tinha algum efeito, o Judiciário concedeu liminares favoráveis, obrigando a USP a continuar fornecendo-a.
De nada valeram os argumentos de médicos, cientistas e juristas mostrando que, fora do contexto de pesquisa, o poder público não pode bancar ou liberar drogas sobre as quais não há evidências de eficácia e segurança.
A forte pressão de pacientes oncológicos falou mais alto e, a toque de caixa, os parlamentares aprovaram um projeto liberando a “fosfo” de passar pelo rigor do método científico. Na mesma toada e prestes a sofrer o impeachment, a presidente Dilma sancionou a lei em abril.
Em maio, o Supremo Tribunal Federal derrubou a validade da lei argumentando que não havia testes científicos suficientes que comprovassem que a droga era segura e eficaz e que a norma editada pelo Congresso invadia a competência da Anvisa.
Do episódio, restaram uma agência regulatória mais enfraquecida, pacientes enganados e um temor de que oportunistas aproveitem esse precedente para emplacar outros produtos mágicos.
Testes anteriores divulgados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia já haviam demonstrado que a “fosfo” não agia contra o câncer.
No meio científico, havia pouca (ou quase nenhuma) esperança de que os resultados dos ensaios clínicos paulista seriam diferentes.
Não se sabe quanto exatamente foi investido nessa aventura toda no último ano –neste estudo, o plano inicial era de R$ 1,5 milhão.
O fato é que o montante de dinheiro público envolvido em pesquisas e audiências em torno da “fosfo” poderia ter sido mais bem usado no financiamento de estudos oncológicos mais promissores (há vários) ou no diagnóstico e terapias para doentes que padecem nas filas do SUS.
Fonte: Folha de S. Paulo