Francisco Balestrin (*)
De tempos em tempos, ressurgem pelos corredores de Brasília algumas ameaças que já tínhamos superado. Fundamentalmente, as que dizem respeito a tabelamentos, congelamentos, pisos, tetos e todo tipo de regulação de preços. Seria desnecessário dizer o quanto estranho é ouvir essas palavras nos tempos atuais, quase duas décadas após a estabilização da economia brasileira.
Quem tem mais de 50 anos, sabe perfeitamente o que significa e o que significou a intervenção do governo na economia de mercado e para o cenário econômico do País — entre os anos de 1968 a 1991. Acreditando que os segmentos oligopolistas tendiam a elevar seus preços sistematicamente acima das taxas de inflação, alimentando assim um círculo vicioso, criou-se naquele período de exceção uma das ferramentas mais perversas para a iniciativa privada. O Controle Interministerial de Preços, mais conhecido pela sigla CIP, mostrou-se, por sua vez, totalmente ineficaz para os fins a que se propunha, como o controle da inflação, além de provocar um atraso no desenvolvimento industrial e comercial brasileiro.
Uma das páginas mais tristes da nossa história recente diz respeito à implantação do Plano Cruzado e das ações de tabelamento e controle de preços na década de 1980, quando as filas nos supermercados, a falta de produtos e o mercado negro de bens de consumo e de alimentos, como a carne, deixaram marcas profundas na consciência coletiva dos brasileiros.
Transportando essa experiência do passado para os dias atuais e, em especial, para a área de saúde, não podemos deixar de temer pelos resultados das recentes ameaças. Até porque os medicamentos já são controlados pelo governo. Por outro lado, há um sem-número de projetos de Lei para tabelar os dispositivos médicos e o material hospitalar. E, está em discussão até mesmo o tabelamento de preços e serviços. Como justificativa, usa-se quase sempre a elevação dos gastos com saúde, as supostas “práticas abusivas” e as chamadas “falhas de mercado”, das quais fariam parte a concorrência imperfeita, a assimetria de informação ou a desigualdade do poder de barganha.
A elevação de custos no setor, porém, tem outras causas. Desconsideram-se, nas iniciativas de regulação, a realidade brasileira e as características da área de saúde. Existem dados que comprovam o elevado crescimento e a grande demanda por serviços médicos e hospitalares nos últimos anos. De um lado temos a alta taxa de crescimento do número de beneficiários de planos de saúde, com uma média de 4,3% ao ano. Saindo de 41,5 milhões de usuários, o País conta hoje com mais de 51 milhões de beneficiários de planos assistenciais.
Além disso, os brasileiros estão vivendo mais. Nos últimos cinco anos, por exemplo, a idade média dos pacientes dos hospitais representados pela Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) subiu de 37 para 43 anos de idade. O tempo médio de internação dos pacientes com até 60 anos subiu de 4,2 para 4,7 dias – o que significa uma elevação de 12%. Deve-se considerar ainda que as doenças crônicas, como diabetes, estão se tornando endêmicas na faixa da população acima dos 60 anos, o que exige cuidados especiais. As recentes inovações da tecnologia médica, frequentemente apontada como vilã dos custos, é ainda uma das responsáveis pelo aumento da longevidade da nossa população.
Do ponto de vista empresarial, os fatores macroeconômicos, como a elevação do dólar, impactam fortemente a estrutura de custos do setor, que importa grande quantidade de seus insumos e equipamentos. No setor hospitalar privado, essas questões têm gerado um aumento de despesas maior que o aumento das receitas e o fechamento de hospitais, em média um por semana no Brasil.
Não há dúvida que são necessárias reformas profundas no Sistema de Saúde do país, inclusive para reduzir custos. A redução de tributos seria um bom começo, mas é também necessário dar mais transparência aos preços praticados e estimular a concorrência entre os fabricantes e distribuidores de dispositivos médicos e de materiais. Os modelos de remuneração atuais, especialmente na saúde suplementar, conduzem ao desperdício e estimulam más práticas.
Faltam investimentos em prevenção de doenças e na promoção de saúde, que sejam capazes de reduzir os custos do sistema e melhorem a qualidade de vida da população. Faltam recursos para conter epidemias e diminuir a violência urbana e do trânsito, cujas vítimas enchem os prontos-socorros do país. E, principalmente, carecemos de uma maior integração e coordenação entre os sistemas público e privado, o que gera, frequentemente, duplicação de esforços e retrabalho na assistência à população.
A solução do tabelamento de preços, seja dos dispositivos médicos, seja dos serviços hospitalares, não resolve nenhum desses problemas, e ainda cria alguns novos. O risco de desabastecimento – como ocorreu nos tabelamentos do passado — é absolutamente real. Nos hospitais menores e em regiões mais afastadas, nos quais o volume de compras é menor e a logística mais complexa, o risco é ainda maior.
Com preços tabelados, a competição entre as empresas deixa de ser baseada nos critérios de preço e qualidade e passa a ser baseada em quem faz o melhor lobby com o órgão regulador de preços.
Em um mercado competitivo, como o de saúde – com seus mais de 245 mil estabelecimentos que prestam serviços de saúde no Brasil – as próprias forças do mercado estimulam a diferenciação, as melhorias contínuas de qualidade, os preços competitivos e a transparência. Isto cria um ambiente bem distinto do retrocesso que uma intervenção desnecessária e fora de propósitos poderia ocasionar. Precisamos aprender as lições do passado e projetar, a partir delas, um futuro mais ético, sustentável e próspero. Ignorá-las é apostar no atraso.
(*) Presidente do Conselho da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp)