A Era Digital multiplicou nossa mobilidade a níveis inimagináveis, sendo que seu eixo de comunicação, a Telefonia Móvel, empoderou o ser humano de tal forma que hoje já podemos dividi-lo em cabeça, tronco, membros e smartphone. Se há reclamações de um lado, existe quase um consenso de que ganhamos autonomia, produtividade e certo aumento de nosso grau de liberdade social. Na área de Saúde, esse poder tem nome: mHealth (mobile health), e está legitimamente representado na sociedade do Século XXI por mais de 130 mil aplicativos (apps) voltados a prover informação, utilitarismo, facilidades, conhecimento e, acima de tudo, “musculatura intelectual” para decidirmos melhor sobre as questões que envolvem a nossa Saúde e o nosso Bem-Estar.
Nem todos os apps são inteligentes, é verdade. Também é correto afirmar que poucos são aqueles que tratam a privacidade dos dados com segurança. Mas, do ponto de vista funcional e utilitarista, mHealth é hoje um dos mais importantes instrumentos de melhoria para os Sistemas de Saúde, bem como para a promoção, prevenção e predição sanitária. Estamos diante de um caminho sem volta. A mobilidade digital na Saúde será (sendo que em alguns casos já é) uma dessas sapatas de sustentação, também conhecidas na engenharia civil como estruturas de apoio, da prática médica.
O alicerce sanitário dependerá cada vez mais dos aplicativos em mHealth capazes de prover informações, aferir sinais vitais, compartilhar decisões médicas, sustentar orientações clínicas (alertas e alarmes), agendar eventos no ambiente da saúde pessoal, armazenar registros clínicos, gerenciar protocolos emergenciais, ensinar os usuários a condicionamentos físicos salutares, monitorar pacientes remotamente e uma infinidade de outras funcionalidades de grande impacto não só para a Cadeia de Saúde como para cada usuário.
Da mesma forma, empresas e instituições do Setor de Saúde estão fazendo uso das soluções de mHealth para reduzir custos, melhorar a qualidade do atendimento e fidelizar os clientes. A mobilidade digital já é apontada como um divisor de águas para países e empresas, com capacidade de equacionar alguns de seus inúmeros e históricos problemas assistenciais. Não faltam desafios para que essa vertical avance, tais como (1) tecnologias capazes de assegurar a confidencialidade das informações, (2) instrumentos e protocolos que protejam a privacidade do paciente e (3) um rol de boas práticas em bioética que protejam a comunidade médica e os interesses dos usuários.
A mobilidade digital na saúde extrapolou a telefonia móvel, adentrando em um universo de devices, equipamentos e sensores médicos que apoiam e monitoram a Saúde dos pacientes. Graças à nanotecnologia, a engenharia genética, a biossensores de alta efetividade e a muitas outras tecnologias, as ofertas para a Cadeia de Saúde crescem, os preços baixam e as possibilidades de conectar e integrar esse sofisticado maquinário a centros de decisão e monitoramento tornam-se cada vez menos imprescindíveis. Dispositivos móveis não invasivos (BrainScope) já ajudam médicos a avaliar uma lesão cerebral traumática (TBI), enquanto dispositivos digitais vestíveis (wearables), como um relógio de pulso, são capazes de analisar os sinais vitais do paciente em tempo real e enviar os dados a uma central de monitoramento. As ofertas surgem de todos os lados, vindo de todas as direções e não só da tradicional indústria manufatureira de equipamentos médicos.
Números Crescentes
O Mercado global de mHealth deve superar os US$ 49 bilhões em 2020, de acordo com a empresa de pesquisas de mercado Grand View Research, com uma taxa anual de crescimento de 49% entre 2014 e 2020. Com a crescente taxa de envelhecimento da população e o aumento dos níveis de patologias crônicas (câncer, doenças cardíacas, diabetes e crescentes, etc.), o mercado de mHealth só tende a crescer.
Mercado Promissor
Novas opções surgem todos os dias gerando grande euforia no setor de Digital Healthcare. O myEarlySense, por exemplo, anunciado em setembro de 2015 pela empresa israelense EarlySense, é um dispositivo móvel para monitoramento do sono. É composto por um sensor inserido sob o colchão do usuário, que detecta a sua pulsação, a frequência respiratória, os estágios do sono, etc. O device não tem fios ou cabos e os dados são transferidos em tempo real para um app-smartphone. Embora a EarlySense já tenha produtos similares para leitos hospitalares, essa versão pode ser utilizada na residência de qualquer pessoa.
Já o Eko Core, da empresa californiana Eko Devices, é um estetoscópio totalmente desenvolvido para funcionar em conjunto com um smartphone. A empresa levantou fundos de US$ 2,8 milhões para o projeto, que já recebeu aprovação do FDA (órgão que certifica insumos para a saúde nos EUA). O equipamento grava os sons captados, envia-os ao médico, que pode compartilhar o áudio com outros médicos. Captura também o fonocardiograma do paciente que pode ser analisado em tempo real.
O Salesforce Health Cloud, por outro lado, é um aplicativo da gigante Salesforce.com voltado ao engajamento e gerenciamento do paciente. Opera em conjunto com o Registro Eletrônico de Saúde (EHR) e outras fontes de dados (sistemas laboratoriais, aplicativos de imagens, etc.) integrando todas as informações e gerando um controle refinado da Saúde do paciente.
Na família dos aplicativos e devices voltados para doenças específicas está o glicosímetro Dario, que atua na vertical de pacientes portadores de diabetes mellitus (o mercado de glicosímetros deve crescer, entre 2014 e 2019, quase 11%). Conectado ao smartphone, ele propicia uma medição segura da taxa de glicemia ao longo do dia. O app que o acompanha possui guia de nutrição, “diário de bordo” e um sistema de monitoramento com todos os registros em ordem cronológica e de forma gráfica, que acompanha o desenvolvimento da cronicidade ao longo do tempo.
Aliás, o mercado de automonitoramento, centrado em dispositivos e equipamentos para controle individual de telemetria, tem crescido de forma ininterrupta. Pesquisa do IDC mostra que o setor de wearable, por exemplo, cresceu 223% ao longo de 2014, principalmente em produtos voltados a fitness. Só o Fitbit, líder do mercado de smartwatch, já colocou no mercado quase 4,5 milhões de seus devices. A produção nacional de dispositivos de self-monitoring também tem crescido nos últimos anos na área de apps, mas sempre esbarra nos problemas de financiamento, nos custos de produção local e no emaranhado regulatório da ANVISA.
As câmeras e demais itens de multimídia dos smartphone possuem resolução cada vez melhor e têm ajudado no desenvolvimento de soluções de apoio, que antes só eram possíveis em ficção científica. Já é viável, por exemplo, tirar uma foto da pele com o celular e enviá-la ao dermatologista, que pode estabelecer algum tipo de diagnóstico em um curto período de tempo. O aplicativo Photoskin, por exemplo, desenvolvido pelo Ramón y Cajal Hospital, em Madri, foi criado para detectar precocemente o melanoma (a forma mais agressiva de câncer de pele). “O paciente pode realizar o autoexame (autoimagem) das manchas em sua pele e mostrar as imagens ao seu médico”, afirma Rosa Taberner, dermatologista do Son Llàtzer Hospital (Palma de Mallorca). “Quando vemos a imagem de um paciente com uma lesão pigmentada, o que avaliamos não é tanto a foto, mas como ela evolui e se altera ao longo de um período de tempo”, explica ela.
Outro aplicativo mHealth dermatológico é o First Derm, desenvolvido pela Universidade da Califórnia, já foi “baixado” por mais de 9 mil pessoas em todo o mundo. O app iRash, com foco nas coceiras dermatológicas, oferece imagens de 40 manchas de pele mais comuns para que o paciente possa realizar um primeiro autodiagnóstico. Centenas de soluções surgem todos os dias, embora poucas realmente cumpram o que prometem. Ao longo de tempo, mercado e usuários vão separando as opções duvidosas fazendo emergir os melhores produtos.
APPS para hospital
Hospitais também têm implementado uma ampla gama de aplicações móveis de saúde. São soluções que lidam com diferentes partes do fluxo de informação, que têm como origem os pacientes, médicos, enfermeiros e registros de saúde. Partindo do conceito de que quanto melhor é o modelo interno de comunicação, melhor será o atendimento ao paciente, os hospitais têm adotado inúmeras soluções de mHealth para melhorar o gerenciamento clínico e as funções operacionais.
O Palomar Health, por exemplo, é um complexo hospitalar público localizado na California com três unidades, que presta atendimento a mais de meio milhão de pacientes por ano. Benjamin Kanter, diretor de informação do hospital explica: “A comunicação feita através de papel é a pior maneira de se comunicar. Para que médicos tomem a decisão certa no momento certo precisam de uma comunicação clara e dentro do contexto”. Nesse sentido, o hospital iniciou o desenvolvimento em 2007 do projeto Medical Information Anytime Anywhere (MIAA), uma aplicação voltada a integrar as comunicações entre todos os profissionais de saúde da entidade. O sistema extrai as informações do Electronic Health Record (EHR) e as transfere aos médicos através de seus smartphones ou tablets. “Nenhum de nossos médicos é funcionário do hospital, assim, para que sejamos bem-sucedidos, temos que fazer do hospital um lugar atraente e efetivo para a prática médica, trazendo um sistema que informa aos médicos, por exemplo, que seu paciente já foi admitido, disponibilizando também através do aplicativo, relatórios, resultados de exames, laudos de imagens e outros inputs que facilitam e agilizam o seu trabalho”, explica Kanter.
Redes Sociais
No contexto da mobilidade digital se incorporam as Redes Sociais, sem sabermos ao certo quem pega carona em quem nessa corrida global. Se os apps empoderam os indivíduos e as corporações, as mídias sociais espalham seu poder pela sociedade com incrível velocidade e consistência. Não importa se as mensagens navegam com 140 caracteres, ou se as imagens e fotos digitais tomaram a dianteira da integração, ou mesmo se os grupos e comunidades são a verdadeira razão desse gigantesco network, o fato é que a árvore de relacionamentos promovida pelas redes sociais introduziu uma nova realidade na conceituação humana.
Compartilhando Informações
O termo “mídia social” surgiu no final do Século XX (pelos anos 2000), mas em 2001, Barry Wellman introduziu a ideia de redes individualizadas (em sua obra “Networked Individualism”) mostrando que estávamos diante de um fenômeno muito mais amplo do que se supunha inicialmente. Ou seja, estávamos desenvolvendo redes individuais que se conectavam a outras redes formando uma enorme árvore de comunicação e conhecimento social. Outros conceitos foram se somando, como a hiperconectividade, a virtualidade local e a localidade virtual reproduzindo ideias, modelos, características, sensibilidades e pluralismo, fazendo com que uma criança, por exemplo, que nasça nos dias de hoje já incorpore em seu modelo de vida um componente das redes sociais. É como pensar que em seu DNA já se incorpora uma linha íntima voltada a partilhar seus problemas e ansiedades através de redes distribuídas.
Na área de Saúde esse movimento não foi diferente. Embora com códigos específicos, a indústria de serviços médicos está aprendendo cada vez mais a utilizar as Redes Sociais para adicionar valor aos seus objetivos corporativos e assistenciais. Muitas ferramentas de mídia social foram se integrando ao universo da Saúde, como as plataformas comunitárias ad hoc, blogs, microblogs, wikis, redes de portadores de patologias específicas que criam seus próprios núcleos de comunicação distribuída, etc.
Essas ferramentas podem apoiar vários vetores que compõem a Cadeia de Saúde, como a educação, a promoção, a prevenção, as plataformas de suporte a emergências, a comunicação orientativa dos Sistemas de Saúde, bem como todos os mecanismos digitais que de alguma forma apoiam o indivíduo no autocuidado e na autogestão de sua Saúde. Como em tudo, existem riscos, problemas, variáveis não controláveis e uma séria de inputs que podem assustar os players da Cadeia de Saúde. Mas, de uma maneira ou de outra, eles estão sabendo orquestrar essas dificuldades e tirar proveito do poder das mídias sociais.
Impacto no Negócio
Outro aspecto do seu poder refere-se ao seu envolvimento no dia a dia das corporações. Ficou muito fácil criticar um médico, ou um hospital, ou um atendimento, ou mesmo um paciente pelas redes. Independente de saber quem tem ou não razão, a crítica temperada ou destemperada é hoje motivo de vigilância das grandes instituições que compõem a Cadeia de Saúde. O neurocirurgião Rilton Morais, por exemplo, do Hospital de Urgência de Sergipe (Huse), criticou nas redes sociais as condições de trabalho do hospital. “A angústia me levou a ir até uma rede social e expor tudo o que sinto. Estou cansado de ver isso sozinho, sou atacado pelas redes sociais por defensores do governo, mas eu não estou atacando o governo. Seja qualquer governo, eu preciso de condições de trabalho”, desabafou o médico que, aliás, foi apoiado pela Sociedade Brasileira de Neurocirurgia Pediátrica (SBNPed).
O Hospital Alemão Oswaldo Cruz, por outro lado, utiliza as redes sociais para apoiar campanhas de conscientização, como o programa de suporte a pacientes com câncer (“Um minuto do seu tempo para fazer alguém feliz”). O faz através de vídeos motivacionais e informações de aconselhamento através de seu hot site em conjunto com várias redes sociais. Outro exemplo voltado ao setor hospitalar foi desenvolvido por empresa especializada (Taisei), em parceria com a Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de São Paulo (Fehosp). Intitulada Rede Social de Saúde (RSS), o canal objetiva garantir a capacitação de instituições, e integrar através dos mecanismos digitais os profissionais do setor. Lançado em 2014, o projeto recebeu apoio da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo e já conta com mil hospitais cadastrados e dois mil profissionais de saúde. A RSS também apoia a integração das equipes de uma instituição, além de ser um espaço para troca de experiências entre os usuários. Também é utilizada como ferramenta de gestão interna, em que os administradores de determinados hospitais podem visualizar, gerenciar e concluir tarefas com suas equipes através do compartilhamento de informações, documentos e conteúdos.
As mídias sociais e os aplicativos mHealth se integram cada vez mais através do ambiente em nuvem (cloud computing), construindo elos de ligação formidáveis com os prestadores de serviço e a comunidade. Quando as pessoas adoecem elas querem agilidade e respostas rápidas. Só em 2012, 75 milhões de pessoas usaram seus smartphones para acessar informações de saúde. Não são poucos os hospitais, por exemplo, que criam recursos móveis sofisticados para os pacientes encontrarem informações valiosas sobre Saúde. Essas instituições buscam fontes confiáveis e constroem redes distribuídas de informações e conhecimento a serviço dos pacientes.
A Universidade da Califórnia (UCLA), um dos cinco melhores prestadores de serviços médicos dos EUA (dados do US News and World Report), criou o app UCLA Health para seus pacientes. O aplicativo, entre muitas funcionalidades, permite aos usuários pesquisar sintomas, condições e tratamentos para muitos problemas de saúde, possibilitando também que os usuários agendem uma consulta, se necessário. O UCLA Health está conectado às mídias sociais, trocando informações assistenciais com milhões de usuários.
Redes Sociais e os aplicativos de mHealth são instrumentos importantes para empoderar pacientes e instituições de Saúde. Crescem em volume e importância. Ignorá-los é estacionar num caminho que não para de seguir adiante.