Médicos e demais profissionais de saúde precisam se atualizar, constantemente, por meio de artigos científicos baseados em evidências. Porém, a quantidade de informações disponíveis é tão grande, e o tempo dos profissionais, tão escasso, que essa tarefa é cada vez mais complicada, por vezes, impossível. Um grupo de pesquisadores da Unicamp e da USP decidiu estudar o assunto e chegou a uma conclusão: para que esses profissionais possam se reciclar, é recomendável que os gestores das unidades de saúde dos municípios, ou regionais estaduais, ou mesmo do governo federal, utilizem o método push, que visa proporcionar informação científica adequada, resumida e facilmente acessível, enviando-a, por exemplo, por e-mail aos interessados. Push, que significa “empurrar”, na língua inglesa, é considerado mais eficaz do que o método pull, em que as evidências estão disponíveis, mas é preciso que o interessado vá procurá-las.
Estudo feito por um grupo de pesquisadores da Universidade de Medicina de Missouri, nos Estados Unidos, há alguns anos, apontou que se um profissional decidisse ler os estudos disponíveis na área de Atenção Básica em cinco das principais revistas e sites do gênero, teria de dedicar 21 horas diárias à leitura. Somente em 2015, mais de 1,2 milhão de artigos na área da Saúde foram indexados apenas pela base de dados PubMed (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed).
A pesquisa – realizada em parceria pela Unicamp e pela USP, entre julho de 2014 e dezembro de 2015 – começou com um estudo sobre o impacto das informações disponibilizadas principalmente no Portal Saúde Baseada em Evidências (Portal SBE), do Ministério da Saúde, na prática clínica dos profissionais de saúde do Estado de São Paulo. Foram pesquisadas também a base científica PubMed e outras fontes, mas a opção preferencial pelo portal do Ministério visou a utilização de uma fonte à qual o participante tivesse acesso, caso desejasse obter mais detalhes do estudo que produziu a evidência, uma vez que ele é aberto a todos profissionais de saúde. Outro objetivo foi avaliar se os participantes do estudo considerariam seus conteúdos relevantes para o contexto brasileiro.
Pouquíssimos médicos e demais profissionais de saúde acessam o Portal SBE, apurou o estudo. As principais barreiras apontadas foram: falta de tempo e dificuldade de tradução, já que muitos textos estão em inglês. Porém, os resultados indicam que o próprio desconhecimento sobre o portal pode ser um fator para o baixo acesso. Ao final do estudo, houve um aumento de 76% dos participantes que afirmaram acessá-lo para tirar dúvidas em relação a seus pacientes e uma diminuição de 26% dos que relataram se basear apenas no próprio conhecimento.
A pesquisa teve a participação de 339 profissionais de saúde de nível superior, com maioria de médicos (74). Participaram também farmacêuticos, enfermeiros, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, dentistas, psicólogos, biomédicos, nutricionistas, terapeutas ocupacionais e assistentes sociais. A participação foi voluntária, em resposta a convites disseminados por correio eletrônico, redes sociais e portais de Conselhos profissionais.
Denominado “Evid@SP”, o projeto foi coordenado pelo professor Ivan Ricarte, da Faculdade de Tecnologia da Unicamp, com a participação de Maria Cristiane Galvão, da área de informação de saúde e professora do Departamento de Medicina Social, e Fábio Carmona, médico e professor do Departamento de Pediatria, ambos da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP); Pierre Pluye e Roland Grad, especialistas em Medicina Baseada em Evidências, da Faculty of Medicine da McGill University, do Canadá; e as bolsistas (Fapesp) Danielle dos Santos, nutricionista, e Letícia Januário, cientista da informação.
Push
Para avaliar se o método push realmente facilita o acesso às publicações científicas, os membros da equipe do estudo prepararam 144 resumos de artigos disponíveis no Portal SBE, que foram enviados por e-mail três vezes por semana, durante 48 semanas, aos profissionais de saúde cadastrados num mailing, relata Ricarte. Os artigos foram sintetizados com revisão clínica dos pesquisadores, e até mesmo seus títulos foram simplificados, para que a informação chegasse aos profissionais de forma simples e clara. “Isso foi feito para garantir que não houvesse informações equivocadas e que a linguagem utilizada fosse efetiva e adequada ao contexto do SUS, já que os pesquisados trabalham no Sistema Único, embora não exclusivamente”, explicou Fábio Carmona.
Além dos artigos resumidos, foi enviado um pequeno questionário aos pesquisados para que avaliassem o conteúdo recebido e a relevância do mesmo em seu cotidiano. O método revelou-se efetivo, segundo Ricarte. “Mesmo com um perfil diverso de participantes, as evidências científicas entregues foram consideradas por eles como relevantes para seus pacientes em 68% das avaliações e, em 58% delas, os profissionais afirmaram que aprenderam algo novo”, completou o coordenador.
Os profissionais usaram as evidências recebidas por e-mail para: assistir o paciente de modo diferente (36%), justificar uma escolha durante a assistência (20%), estar mais certo sobre uma decisão (20%), entender melhor uma condição ou tecnologia em saúde (24%), discutir o assunto com pacientes ou outros profissionais (33%) e convencer os pacientes ou outros profissionais sobre uma questão em saúde (23%). Além disso, a frequência de acesso ao Portal SBE aumentou em 90%.
Recomendações
Ao final, o estudo levou a algumas recomendações para o método push: as evidências selecionadas devem ser traduzidas para a língua portuguesa, bem resumidas com início, meio e fim, formando um texto compreensível. Tais sínteses devem ser encabeçadas por uma questão clínica a fim de esclarecer o profissional da saúde sobre o conteúdo que será tratado no resumo: precisam ser suficientes para a compreensão da mensagem, mas não devem exceder 500 palavras.
O projeto inspirou-se em um programa da Associação Médica Canadense, que envia, diariamente, uma síntese de evidências científicas aos profissionais de saúde. Lá, os médicos que avaliam as evidências recebem créditos que são contabilizados anualmente para a renovação do registro profissional. Por isso, o projeto Evid@SP recomenda que as unidades de saúde contabilizem as avaliações realizadas pelos profissionais de saúde, como, por exemplo, uma atividade para a progressão funcional. Os pesquisadores acreditam que “sem uma motivação pessoal ou profissional, as iniciativas de saúde baseada em evidências venham a ser pouco exitosas”.
Segundo Ricarte, o estudo baseou-se também em um conceito complementar ao de Medicina Baseada em Evidências, o de Translação do Conhecimento, que é o processo de selecionar e sintetizar as informações de evidências para levar os mais relevantes saberes da pesquisa para a prática clínica. “Dessa forma, a translação do conhecimento é uma continuidade das pesquisas científicas, que geralmente param na divulgação, e visa a proporcionar serviços de saúde mais efetivos”, esclarece.
Os resultados foram repassados, por meio de relatórios e palestras, ao Ministério da Saúde, que financiou o estudo, por intermédio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); e aos apoiadores, Fapesp e Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.
Segundo o documento entregue aos financiadores da pesquisa, a estratégia de disseminação utilizada no projeto pode ser imediatamente implantada sem a necessidade de grandes investimentos em tecnologias, uma vez que foram utilizados softwares não comerciais que podem ser instalados junto a servidores web já existentes. No entanto, destaca o documento, o sucesso de uma iniciativa nesse sentido depende da formação de equipes interdisciplinares – incluindo profissionais de biblioteconomia, informática e saúde – capacitadas para o processo de seleção de evidências relevantes para o público-alvo.