Machine learning, Inteligência Artificial e computação cognitiva são termos que trazem à mente imagens futuristas de cidades desertas e paisagens pós-apocalípticas com populacões inteiras dizimadas por terem sido inocentes o suficiente para confiar em robôs e cyborgs. Felizmente, isso fica limitado às telas dos cinemas e livros de ficção científica.
As palavras citadas no início do parágrafo anterior já são frequentemente associadas ao futuro da Saúde. Inúmeros artigos são escritos sobre o tema. A popularidade e o buzz envolvendo os temas é tão grande, que Ginny Rometty, CEO da IBM, foi a responsável por fazer o keynote de abertura do HIMSS desse ano, em Orlando.
Como médica envolvida na prática assistencial, posso dizer que estamos vivendo realmente um momento peculiar na Saúde, pois a quantidade de dados aumenta de forma exponencial. O cérebro humano já deixou de ser suficiente para processar toda essa informação.
Pesquisas demonstram que uma pessoa gera o equivalente a 300 milhões de livros em informações sobre sua saúde ao longo da vida (considerando a soma de dados de genômica, resultados de exames, anotações de profissionais da saúde em prontuários, informação de sensores de wearables, entre outras). Um paciente com câncer, por exemplo, chega a gerar 1 TB de dados por dia.
Se, hoje, a quantidade de dados relacionados à saúde dobra a cada dois anos no mundo. Até 2020, a previsão é que isso aconteça a cada 73 dias.
Na literatura científica, o cenário também intimida: 1.253.810 artigos foram publicados no Pubmed em 2016. O volume de conhecimento médico já superou, há muito tempo, a capacidade do clínico mais brilhante se manter atualizado. Estudos da IBM demonstram que se um especialista desejar se manter absolutamente atualizado, será necessário estudar cerca de 167 horas/semana.
Se nosso cérebro já não é hardware suficiente para processar toda essa informação, os sistemas atuais também não são. Eles são capazes de analisar cerca de 0,5% de todos esses dados. Porque as ferramentas disponíveis hoje em dia só são capazes de analisar aquilo que foram programadas para identificar.
Além disso, o tempo médio que um medico tem frente a um paciente no consultório é de 15 minutos. 900 segundos para ouvir as queixas, fazer um diagnóstico e traçar o mais adequado plano terapêutico, embasado na melhor literatura científica disponível.
No consultório ou no hospital, fica evidente que tempo e dados a serem analisados tornaram-se grandezas inversamente proporcionais no dia a dia do médico atual. Trabalho duro e boas intenções dos profissionais do setor também já não são suficientes para garantir um cuidado eficiente e de alta qualidade.
Fica clara a necessidade de mergulhar nesse oceano de dados em busca de insights para melhorar o cuidado, acelerar a inovação e reduzir os custos. E é aí que está o maior potencial da Inteligência Artificial, da computação cognitiva e do machine learning.
Computadores não esquecem o que aprendem, não têm vieses de julgamento e são capazes de reconhecer mudanças e padrões nos dados de forma mais rápida e abrangente do que a grande maioria dos humanos, possibilitando, por exemplo, a predição de condições como a sepse, antes que ela se manifeste clinicamente.
Alguns dos casos de uso mais promissores para essa tecnologia incluem predictive analytics, Medicina de Precisão e o suporte à decisão clínica. O desenvolvimento em todas essas áreas já está em curso.
O Watson Health, da IBM, é provavelmente o nome mais conhecido e se posicionou precocemente no setor de Saúde usando suas capacidades de processamento de linguagem natural e computação cognitiva para desenvolver ferramentas de apoio à decisão clínica. O exemplo mais proeminente é o Watson for Oncology, treinado em parceria com o Memorial Sloan Kettering Cancer Center.
Depois de ingerir cerca de 15 milhões de páginas de texto (entre conteúdo de livros-texto, artigos científicos e protocolos de tratamento) e ser treinada pelos especialistas do hospital, a solução é capaz de ranquear planos de tratamento personalizados, de acordo com as características e dados clínicos dos pacientes. E já está sendo usada com excelentes resultados na Índia, por exemplo, onde existe a proporção de um oncologista para cada dois mil pacientes oncológicos.
Já o Watson for Genomics, uma ferramenta com foco na Medicina de Precisão e na Genômica, é capaz de ler os dados do sequenciamento genético de uma amostra de tumor de um paciente, ranquear as mutações de acordo com a frequência e relevância das mesmas e buscar, em toda a literatura científica, as drogas mais adequadas para tratar o mesmo. Abandona-se o modelo de tratar o câncer pelo órgão que ele acomete e passa-se a buscar o tratamento mais adequado para a mutação daquele(a) paciente.
Em uma parceria com a Medtronic, o Watson ingeriu amostras das curvas glicêmicas de pacientes diabéticos que fazem uso dos monitores da marca e identificou padrões que permitiram desenvolver um algoritmo capaz de prever um episódio de hipoglicemia três horas antes de ele ocorrer. E disparar mensagens para alertar o usuário a respeito disso, de forma que ele possa agir para evitar o mesmo.
Diversas são as possibilidades e os exemplos. O denominador comum deles é que informação é poder. E machine learning, computação cognitiva e Inteligência Artificial estão se tornando ferramentas fundamentais para empoderamento dos profissionais da Saúde frente ao tsunami de informação que existe hoje no setor.
Por mais irônico que possa parecer, em um mundo em que a quantidade de dados a serem considerados para o cuidado adequado de um paciente ultrapassa a capacidade de processamento do cérebro humano, é a tecnologia que começa a despontar como a grande aliada para nos ajudar a cumprir o mandamento mais delicado e humano do Juramento de Hipócrates: não causar dano.
Mariana Perroni é Médica Intensivista e Coordenadora Médica da área de Healthcare Transformation na IBM