As instituições de saúde para pacientes com doenças mentais, assim como qualquer outra área, requerem cuidados especiais na sua concepção e no desenho de seus ambientes e de sua infraestrutura. Nos projetos arquitetônicos, os cuidados devem proporcionar auxílio aos seus usuários na estabilização de sua saúde e na conquista de novas perspectivas para a sua vida, a partir da oferta de atividades e de opções de reinserção na vida social, familiar e profissional.
Após a reforma psiquiátrica e o movimento antimanicomial, ocorreram mudanças nas diretrizes do modelo de atenção à saúde mental, com transferências significativas no foco do tratamento. Antes concentrado na instituição hospitalar, a abordagem passou para uma rede de atenção psicossocial, sendo unidades de serviços comunitários e abertos. Além disso, houve a desospitalização dos pacientes psiquiátricos e a desconstrução dos manicômios.
A partir destas diretrizes, a abordagem para a arquitetura nessas instituições teve uma crucial mudança apontando para a desospitalização e para a reintegração dos usuários no seio familiar e social. “Esta desinstitucionalização das estruturas manicomiais aponta para o acolhimento dos pacientes psiquiátricos em internações de curta duração. Podendo mencionar os serviços de residências temporárias, locais que proporcionam a reinserção na vida social e de trabalho”, comenta Elza Costeira, Coordenadora e docente dos cursos de especialização lato senso de arquitetura hospitalar e de arquitetura de interiores e paisagismo do INBEC (Instituto Brasileiro de Educação Continuada).
Estes ambientes possuem desenho de moradias que, em seus projetos há plantas de casas ou apartamentos semelhantes a todos, com salas, quartos banheiros e cozinhas onde as pessoas possam cuidar de sua higiene, alimentação, convívio familiar, lazer e repouso. Além disso, contam com supervisão de profissionais que oferecem o suporte necessário até que estas pessoas possam seguir com suas vidas, menos dependentes dos cuidadores.
“Podemos referir também os CAPs (Centros de Atenção Psicossociais), instituições que acolhem os pacientes e incentivam sua reinserção no dia a dia de suas vidas, no seio de suas famílias, amigos, trabalho e grupo social”, afirma Elza.
A partir desta ótica, os cuidados especiais a serem tomados nos projetos destas organizações são os mesmos que são indicados para pacientes em geral ou com algumas necessidades especiais. No entanto, o que era indicado anteriormente, como grades, confinamento, supressão de espelhos, vidros e quinas nos móveis, são relativizados tendo como objetivo a máxima aproximação do ambiente com os espaços domésticos.
Segurança
Segundo médicos psiquiatras e profissionais dessa área, o que coloca em risco a vida dessas pessoas é o confinamento. Sendo o grande indutor de surtos e de piora no quadro da doença. Assim, quanto menos o paciente é submetido a restrições nos seus deslocamentos e na sua apropriação do espaço, mais se observa o agravamento do quadro psicótico. “Os arquitetos geralmente se surpreendem com esta abordagem, ainda nova e pioneira, mas, de qualquer forma, quanto mais se projeta os espaços com itens de humanização, como presença da paisagem, luz natural, possibilidades de desenvolver trabalhos manuais, acesso liberado a ambientes de higienização e de preparo de alimentação, mais se obtém melhoras”, salienta a professora.
Evidentemente, um sistema eficiente de controle de entrada e saída, um adequado sistema de controle de incêndios, uma precisa abordagem de controle de aberturas de janelas em prédios altos, sem grades ou confinamentos, minimizam os riscos para os pacientes. “O desafio arquitetônico é o de prover segurança a estes espaços, através de esquadrias especialmente pensadas para que não remetam à ideia de gradeamento, confinamento e prisão, e que possam proporcionar aos clientes, além de segurança, o desfrutar da paisagem e do ciclo circadiano que tanto se reveste de importância para a rapidez da cura e do reequilíbrio psíquico”, conclui.
Os ambientes têm que ter a atenção dos arquitetos para algumas premissas de seguranças, como ausência de quinas, pisos pouco escorregadios, circulações facilitadas, iluminação natural e artificial eficiente, tomadas e quadros elétricos adequadamente dispostos, prevenção de incêndios, disposição de camas e mesas que permitam privacidade e itens em geral pensados para evitar acidentes, e ainda, que sejam de durabilidade garantida pela robustez e facilidade de limpeza de seus materiais.
Realidade brasileira
No Brasil, o cuidado e o capricho com os novos projetos de ambientes de atenção à saúde são bastante vistos, entretanto a manutenção destes espaços é esquecida. “Acredito que o País necessite de uma verdadeira revolução na cultura da manutenção predial, conformando estruturas mais duradouras e mais eficientes através do tempo de uso, estabelecendo um programa de cuidados preventivos e preditivos para que não se deteriorem muito rapidamente”, afirma Elza Costeira, coordenadora e docente.
Entretanto, há alguns casos de referência neste quesito, locais que buscam a humanização, apoiada em ações para a reinserção e o aprimoramento das relações sociais dos pacientes. “No Instituto Philippe Pinel, por exemplo, encontramos duas importantes iniciativas como uma oficina de reciclagem de papel, o Papel Pinel, e um estúdio de televisão, a TV Pinel. Ambas apontam para o envolvimento dos pacientes nas responsabilidades pela continuidade destas iniciativas”, ressalta Elza.
Para Hugo Fagundes, médico psiquiatra e Superintendente de Saúde Mental, no País existem centenas de CAPS distribuídos sem o menor padrão quanto a sua estrutura física. Muitos são implantados em casas alugadas pela prefeitura local, adaptadas de forma improvisada com a finalidade do acompanhamento contínuo de pessoas portadoras de transtornos mentais ou decorrentes do uso de drogas.
“Seria importante a edição por parte do Ministério da Saúde de uma cartilha orientadora dos fundamentos básicos para implantação dos centros de atenção psicossocial. Os técnicos da área da vigilância por vezes fazem exigências compatíveis com estruturas hospitalares, inadequadas ou incabíveis para serviços de inserção comunitária. Sendo assim, as equipes de saúde mental não têm uma orientação clara que possa balizar a implantação de novos serviços e adequar os existentes”, conclui Fagundes.