Os avanços da medicina ajudam a ampliar a expectativa de vida da população, mas isso não quer dizer que as pessoas desfrutam de saúde nesses anos extras. A afirmação é da Organização Mundial de Saúde (OMS), que, nesta quarta, divulgou um relatório segundo o qual o número de pessoas com mais de 60 anos será duas vezes maior em 2050, o que exigirá uma mudança social radical. O órgão contabiliza cerca de 900 milhões de idosos atualmente, ou cerca de 12,3% da população total. A expectativa é de que em 2050, esta fatia represente 21,5%, mais de um quinto do planeta (2 bilhões).
Por isso, a OMS propõe três grandes mudanças: tornar os lugares em que vivemos em ambientes amigáveis para as pessoas mais velhas, realinhar sistemas de saúde às necessidades dos idosos, e os governos desenvolverem sistemas de cuidados de longo prazo que possam reduzir o uso inadequado dos serviços de saúde agudos, garantindo a dignidade nos últimos anos de vida.
Estes são pontos abordados no Relatório Mundial sobre Envelhecimento e Saúde, divulgado nesta quarta-feira, por conta do Dia Internacional do Idoso, que é comemorado em 1.º de outubro. Segundo a OMS, a expectativa de vida global é de 66 anos e em 2050 será de 72.
“Hoje, a maioria das pessoas, mesmo em países mais pobres, vivem por mais tempo”, diz Margaret Chan, Diretora-geral da OMS.
Mas, para a Diretora, isso não é suficiente. “Precisamos assegurar que esses anos extras sejam saudáveis, significativos e dignos. Alcançar esse objetivo não será bom apenas para os mais velhos, será bom para a sociedade como um Vida longa não é necessariamente vida saudável”.
No Brasil, a expectativa de vida de um bebê nascido hoje é de 75 anos. E para quem tem 60 anos é de 82, em média. Segundo a OMS, no Brasil, os idosos passarão de 24,4 milhões de idosos para quase 70 milhões (2050).
“A OMS está dizendo aos seus 193 países membros: acordem! É preciso pensar no idoso, temos de dar ênfase a eles. Porque o envelhecimento está chegando rápido”, comenta Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional para Longevidade, no Brasil, para quem no país, será preciso dar atenção à educação.
Segundo Kalache, outro investimento no Brasil deve ser na formação educacional dos médicos que hoje estudam como se vivessem no século XX e não no século XXI. “Por que tantos especialistas em reprodução, se cada vez mais nascem menos bebês? Precisamos de melhores cardiologistas, geriatras e, de uma forma geral, de médicos que foquem nas doenças crônicas”.
Ao contrário das suposições generalizadas, o relatório conclui que há poucas evidências de que os anos adicionais de vida são desfrutados com melhor saúde do que no caso das gerações anteriores na mesma idade. Isso porque, há a impressão que a tecnologia, inclusive na área da saúde, tenha “melhorado” a condição das pessoas.
“Infelizmente, os 70 ainda não parecem ser os novos 60”, atesta John Beard, diretor do Departamento de Envelhecimento e Curso de Vida da OMS, que endossa a tese de que a probabilidade das pessoas mais velhas estarem passando por vidas mais longas e saudáveis é de que tenham vindo de classes mais favorecidas da sociedade.
A maioria dos problemas de saúde enfrentados por pessoas mais velhas são associados a condições crônicas, principalmente doenças não transmissíveis.
Muitas delas podem ser prevenidas ou retardadas. Outros problemas de saúde podem ser controlados de maneira eficaz, principalmente se forem detectados cedo o suficiente.
E mesmo para as pessoas com declínios na capacidade, os ambientes de apoio podem garantir que elas vivam vidas dignas e com crescimento pessoal contínuo. O relatório, conclui no entanto, que o mundo está muito longe desses ideais. Segundo a OMS, o envelhecimento da população demanda resposta abrangente da saúde pública.
CUSTO QUESTIONÁVEL
A OMS cita uma pesquisa desenvolvida no Reino Unido em 2011 que estimou que, após definir os custos das pensões, bem-estar e cuidados com a saúde em relação às contribuições feitas por meio de impostos, gastos de consumidores e outras atividades de valor econômico, as pessoas mais velhas contribuíram com aproximadamente R$ 240 milhões para a sociedade e que subirá para R$ 462 bilhões em 2030.
Embora haja menos evidências de países de baixa e média renda, a contribuição de pessoas mais velhas nesses cenários também é significativa.
No Quênia, por exemplo, a idade média dos pequenos agricultores é de mais de 60 anos. Portanto, as pessoas maiores podem ser críticas para manter a segurança dos alimentos no Quênia e em outras partes da África Subsaariana. Elas também possuem um papel crucial no apoio a outras gerações. Na Zâmbia, por exemplo, cerca de 1/3 das mulheres maiores são as principais fornecedoras e prestadoras de cuidados de netos cujos pais foram perdidos para a epidemia de HIV ou migraram para trabalhar.
A OMS afirma que o período de vida associado com os maiores gastos de saúde está relacionado ao último ou dois últimos anos de vida. Mas, que essa relação também varia significativamente entre os países.
Segundo o relatório, cerca de 10% de todos os gastos com saúde na Austrália e nos Países Baixos, e cerca de 22% nos Estados Unidos, são incorridos no cuidado de pessoas durante o seu último ano de vida. Além disso, os últimos anos de vida tendem a resultar em gastos mais baixos com saúde nos grupos de idades mais avançadas.
Embora mais evidências sejam necessárias, prever custos futuros de saúde com base na estrutura etária da população, a OMS afirma que é um valor questionável. Reforça a tese com análises históricas que sugerem que o envelhecimento tem muito menos influência sobre os gastos com saúde do que diversos outros fatores.
Entre 1940 e 1990 nos Estados Unidos (um período de envelhecimento significativamente mais rápido da população já ocorrido), o envelhecimento parece ter contribuído apenas cerca de 2% dos gastos com saúde, enquanto as mudanças relacionadas à tecnologia foram responsáveis entre 38% e 65% de crescimento.
MUDANÇA DE FOCO
O relatório enfatiza que enquanto algumas pessoas mais velhas exigirão cuidados e apoio, as populações idosas, em geral, são muito diversas e podem fazer várias contribuições para as famílias, comunidades e sociedade em geral.
O estudo cita uma pesquisa que sugere que essas contribuições superam quaisquer investimentos que podem ser necessários para fornecer serviços de saúde, cuidados de longa duração e de segurança social necessárias para as populações mais velhas.
Outra constatação é de que a política tem de mudar de uma ênfase no controle de custos, a um foco em permitir que as pessoas mais velhas façam o que importa a elas.