A história de José Roberto Ferraro, diretor superintendente do Hospital São Paulo (HSP), na instituição começou em 1973, quando ingressou no curso de Medicina. Conheceu sua esposa na mesma faculdade, casou e seu filho não poderia nascer em outro lugar que não no HSP. Ferraro começou sua carreira como estagiário no HSP. Passou por setores como o pronto socorro, banco de sangue, contabilidade. Fez sua Residência na Instituição e, atualmente, é docente do Departamento de Cirurgia. Roberto exerce a superintendência do Hospital desde 1995 e, atualmente, sua gestão passa por uma das piores crises enfrentadas até então. Em entrevista para a Healthcare Management, Ferraro fala sobre a atual crise e sua esperança de ser ouvido pelos governantes.
1- Quando começou esta crise que o Hospital São Paulo vem enfrentando?
É difícil precisar isso. Os hospitais universitários do país sofrem com o problema do subfinanciamento há muito tempo. O que ocorreu foi mais uma crise, que já vem de alguns anos, o que acarretou num acúmulo de déficit em 2012,2013,2014. Apesar de termos solicitado, durante todos esses anos, o incremento de nossos contratos e das receitas, isso não ocorreu. Ou seja, chegamos no limite. O hospital fica numa situação muito complicada quando os fornecedores deixam de fornecer, e foi isso o que aconteceu.
2- E quais foram as medidas tomadas da administração diante disso?
Tivemos que tomar algumas medidas emergenciais de redução da nossa produção. Primeiramente, suspendemos as cirurgias eletivas para atender adequadamente os pacientes que já estão internados e para atender a real urgência e emergência. O déficit financeiro é um problema que vem ocorrendo há alguns anos e agora se explicitou de uma maneira bastante clara para nós. Muitos hospitais também estão sofrendo com isso, com a Santa Casa de São Paulo, Instituto de Câncer Arnaldo Vieira Carvalho, Hospital das Clínicas da Unicamp, Hospital Universitário Pedro Ernesto, enfim. É um problema do país inteiro. Mas, em um hospital do nosso porte, com a nossa produção e abrangência, os problemas são maiores.
3- Quais são suas perspectivas para o Hospital São Paulo?
Vou usar sempre da minha própria personalidade que é ser otimista. Eu acredito que vamos conseguir reverter este quadro porque nós sempre conseguimos reverter as crises. O problema é que a reversão não é definitiva nem organizada, ela é sempre temporária. Creio que a conversa que estamos tendo com os gestores municipal, estadual e federal irá sensibilizá-los ao ponto de recompor o nosso orçamento.
4- Há um limite para esses cortes?
Do ponto de vista da gestão, tudo o que poderíamos fazer internamente e dentro do limite ético nós estamos fazendo. Estamos reduzindo tudo o que é possível de despesas. Temos aqui mais de três mil celetistas que todo ano sofre dissídio, o que gera uma despesa muito grande. Há uma cláusula de reajuste que nós cumprimos, porém não há nenhuma cláusula correspondente de reajuste de contrato. Teve um agravante nisso tudo que, fora as condições de deficiência de contrato, houve também uma interpretação muito equivocada e infeliz do Ministério da Saúde de que nós não deveríamos receber o Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (REHUF).
5- E quais foram as consequências disso?
Não só houve não um incremento, como também a supressão de recursos. Estávamos pedindo alguma coisa para recompor, não foi dado, chegamos no limite e, além disso, tiraram R$ 20 milhões. Através de nossa procuradoria, estamos argumentando que somos um hospital de ensino da Unifesp, somos uma das instituições mais importantes do país, um dos maiores do Brasil. Temos um dos maiores programas de residência médica, de residência multiprofissional. Vários alunos de diversas especialidades fazem estágio aqui, ou seja, não há como contestar que nós somos um hospital de ensino desde 1940. Agora, nós estamos brigando não só para recompor o REHUF, como também para conseguir incrementar o orçamento. Mas eu acredito que isso vai acontecer. Tivemos a assembleia legislativa, estamos em contato com deputados, estamos usando a via política para tentar nos fortalecer.
6- Que tipo de compromisso o sr. espera do governo?
Objetivamente, eu espero voltar a receber o REHUF e o incremento que nós pedimos porque nós produzimos acima do nosso contrato. É bem verdade que das inúmeras crises que passamos, esta é a que está se prolongando mais. A resposta governamental, não sei é pela situação que estamos vivendo, diante de tantas denúncias e desvios, está demorando. É fácil imaginar isso porque talvez eles estejam preocupados mais com suas próprias gestões e pessoas do que com os hospitais. Esse problema tem que resolver porque não é possível conviver com a insensibilidade de governantes na área social. Não estou falando de programas que tenham inconsistência, programas populistas, estou falando de programas de prestação de serviços de saúde.
7- Cerca de 98% dos atendimentos feitos no Hospital São Paulo são feitos pelo SUS. O sr. pensa em reduzir esta quantidade por causa da crise?
Essa possibilidade existe, se nós vamos buscá-la é outra coisa. Eu não gostaria de fazer isso. Não estamos escolhendo a clientela. O nosso perfil, educação e história é atender o ente público. Nós temos condições de atender a saúde suplementar, somos uma entidade filantrópica. E para ser uma entidade filantrópica cerca de 60% dos atendimentos devem ser via SUS, nós prestamos 98% e queremos ficar assim. Será que para atender o SUS eu vou precisar fazer bingo? Vou precisar vender pipoca na frente do hospital para recompor o orçamento? Os governantes têm que nos ouvir. Nós somos parceiros do sistema e não inimigos.
8- O hospital está procurando parcerias com o setor privado para sair dessa crise?
Nós temos aqui em nossas receitas muitas doações. O setor privado, a sociedade civil organizada tem por hábito doar recursos para o hospital. A maioria das doações são para capital, reforma de uma unidade, compra de um equipamento. As doações são muito mais para capital do que para custeio. Ninguém doa dinheiro para comprar fralda ou gases, doam dinheiro para reformar uma enfermaria, por exemplo. Neste atual momento, existem alunos e professores se reunindo com empresas para arrecadarem recursos a fim de ajudar no custeio, que é o nosso atual problema. Se você me perguntar se eu quero verba para reformar uma unidade ou para comprar insumos, minha resposta será para custeio, para pagar meus salários, comprar comidas, remédio, lençol. É disso que a gente precisa.
9- E as parcerias com o setor público?
Também procuramos os entes públicos, como a Secretaria de Saúde do município. O município de São Paulo não põe nenhum recurso no Hospital. A gente atende munícipes, oferece consultas, exames e mesmo assim eles não colocam nenhum recurso. O Programa Corujão, que o prefeito João Dória Jr. e o secretário Wilson Pollara instituíram, eu fui oferecer a minha capacidade instalada para fazer exames e naquela oportunidade eles não compraram nossos serviços, compraram de outros.
10- Falando sobre a atual gestão da cidade de São Paulo, qual a sua avaliação?
A tônica que está sendo usada é atender a urgência com filas, exames, atendimentos, consultas. Isso não é o suficiente. Se não exercer programas bem estabelecidos, nós só vamos fazer exames e o doente vai continuar com a doença, nós só vamos fazer consultas e o doente não vai ser operado. Mas eu creio que a Secretaria municipal está com uma boa intenção. É um pouco do que nós estamos fazendo aqui: apagando incêndio no lugar de pensar no projeto. Quando você aprende a fazer gestão, a parte gostosa é o planejamento, a execução, a correção de roubos, enfim, analisar como que o mundo está andando, como a epidemiologia está andando para você transformar e modificar a sua instituição. O que temos feito hoje é apagar incêndio. O que é uma pena. Isso significa perda de tempo e de profissionais capacitados para resolver questões que o orçamento deveria resolver, que a própria cultura nacional deviria ter resolvido.
*Matéria publicada na 48ª edição da Healthcare Management. Clique aqui e confira a edição completa