A Associação Brasileira de Energias Alternativas e Meio Ambiente (ABEAMA) nasceu na Conferência Rio 92, congregando empresas e profissionais liberais com o objetivo de colocar a energia renovável dentro da matriz energética brasileira. Entre os associados estão empresas nacionais e internacionais e associações parceiras em países como Alemanha, Portugal e Espanha. Presidente da BR Solar, uma das empresas associadas, Ruberval Baldini também é o presidente da associação. O executivo atua no setor desde 1977, quando a energia solar dava seus primeiros passos no país. “Posso dizer que alguns sistemas que instalei há 40 anos deixaram de funcionar recentemente e isso aconteceu no Amazonas, região com condições extremamente agressivas”, lembra. Em entrevista para a Full Energy, Baldini fala sobre o potencial da energia solar no país e a importância de desenhar novas formas de financiamento, para que o usuário final possa equilibrar a conta de luz que paga com o financiamento de seu equipamento. “Não usar energia solar é jogar dinheiro fora. Claro que o equipamento custa caro, por isso precisamos de financiamento”
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Cnumad), realizada em junho de 1992 no Rio de Janeiro, que marcou a forma como a humanidade encara sua relação com o planeta. Foi naquele momento que a comunidade política internacional admitiu claramente que era preciso conciliar o desenvolvimento socioeconômico com a utilização dos recursos da natureza. “A produção de equipamentos tem um custo cada vez menor, mas o custo ainda é alto se comparado à conta de luz. É preciso ter financiamento a juros baixos”
1- O senhor aposta na energia solar fotovoltaica há muito tempo. O que o motivou ao longo dessas décadas em defender e incentivar este tipo de energia?
É uma questão de bom senso. O Brasil é o segundo país com a maior insolação do mundo, atrás apenas do deserto do Saara. No país, um dos lugares com maior insolação está no Ceará, em uma região com um nível de insolação tão alto que um sistema instalado lá tem um rendimento mínimo 20% superior do que em qualquer outra parte do país. Tenho quatro décadas de energia solar. Posso dizer que alguns sistemas que instalei há 40 anos deixaram de funcionar recentemente e foi no Amazonas, em uma condição extremamente agressiva. Portanto, não usar energia solar é jogar dinheiro fora. Claro que o equipamento custa caro, por isso precisamos de financiamento. Temos que desenhar uma forma que esse financiamento seja adequado para que o usuário final possa equilibrar a conta de luz que paga com o financiamento de seu equipamento. Quando atingirmos esse equilíbrio, teremos pessoas migrando para a energia solar. E isso vai acontecer.
2- Como analisa a legislação brasileira e seus avanços no fomento à energia fotovoltaica?
Instalamos o primeiro sistema conectado à rede no CEPEL (Cento de Pesquisas Elétricas da Eletrobras), no Rio de Janeiro. Esse sistema, em 2002, serviu como base para os estudos da resolução 482, o primeiro conectado à rede dentro de uma estrutura de pesquisa da Eletrobras. A partir desta resolução, o cidadão passou a ter a sua própria fonte de energia, a chamada geração distribuída com microgeração, usando a fonte solar ou outras fontes. O custo inicial do equipamento é pago ao longo do tempo. Com isso, você tem, na legislação brasileira, a vantagem de fazer com a sua concessionária uma conta de troca de quilowatt do que você exporta na rede. Diferente do que se estabeleceu em outros países, em que se paga uma tarifa premium toda vez que você exporta para a concessionária. Era um valor mais alto do que o valor que ela cobrava quando se comprava a energia dela. No Brasil não é assim. Aqui trabalhamos com a equivalência da energia gerada e a energia consumida.
3-Por que demorou tanto para que a energia solar no Brasil atingisse o fôlego que tem hoje?
A energia solar começou no país em 1977. Entretanto, a legislação não estava preparada para esse desenvolvimento. Os primeiros clientes de sistema fotovoltaico foram as empresas de telecomunicação da Embratel e Telebrás, e outras teles que existiam. Enquanto isso, em outros países do mundo, o desenvolvimento, inclusive da legislação, já permitia que o usuário instalasse seu próprio equipamento. O custo das células solares vem caindo ao longo desse tempo e isso permitiu chegar ao ponto de equilíbrio entre o custo de um gerador a diesel e de um gerador solar para as empresas. Para os usuários finais, o valor inicial do equipamento é caro, por isso precisamos ter uma linha de financiamento que ajude a fazer isso, e com juros compatíveis.
4- Por que ainda é tão cara a tecnologia fotovoltaica?
Quando consideramos o que é caro, temos uma imagem imediata. Mas quando falamos de energia solar isso é algo ao longo do tempo. Qual é o prazer que instalar esse tipo de energia vai proporcionar? É a economia que se vai ter no futuro. Diferentemente de quando compramos um carro. O consumidor sai da loja com seu automóvel. Porém, já ao sair, o valor está, no mínimo, 20% menor, só que ninguém pensa assim.
5- Hoje, o consumidor adora o Netflix porque oferece o poder de escolha. Com a energia fotovoltaica, o consumidor também tem possibilidade de ter esse poder de escolha quanto à energia que vai consumir?
Esse é mais um fator de externalidade, que vai além do retorno do investimento. Isso porque não é fácil mensurar o prazer que se tem por não precisar mais pagar a conta de luz. O consumidor, como dono do sistema, terá o prazer de fazer isso. Quando esta percepção for normal, as pessoas farão isso. Isso aconteceu com a energia térmica quando as construtoras passaram a ter uma margem de ganho na venda dos equipamentos. Isso aconteceu em Belo Horizonte, há 20 anos. Naquele momento, a prefeitura estimulava o uso de energia térmica em troca da diminuição da taxa de IPTU. A Cemig estimulava o uso reduzindo o custo da energia elétrica para quem utilizava o sistema solar. Existia um programa nacional, o Procel, que visava economizar energia elétrica. São fatores externos que ajudam o consumidor a ter uma percepção maior do produto que está sendo consumindo. Hoje, consumir energia solar fotovoltaica é uma grande incógnita. Nos últimos meses, tivemos uma maior percepção sobre esta energia porque ela foi muito divulgada na mídia. Quanto mais as empresas entrarem no mercado – as concessionárias, o governo, as prefeituras, entre outros agentes – e utilizarem o sistema e divulgarem que estão utilizando, o consumidor terá maior percepção de confiabilidade.
6-A partir de 1992, surgiu a Abeama e com ela um conjunto de ações no sentido de incluir as fontes renováveis na matriz energética brasileira. Qual seu balanço da trajetória da Associação?
Foi um processo de aprendizado. Participamos de várias comissões e organismos de governo de todos os níveis para ajudar na formatação da legislação brasileira, o que permitiu que hoje o arcabouço legal estivesse mais preparado. Esse é um trabalho que a Associação vem fazendo ao longo desse tempo. Também, desde 92, promovemos cursos para engenheiros e formadores de opinião, esclarecendo o que é a energia renovável e o quanto é importante para o desenvolvimento e a infraestrutura do país.
7- Apesar de significativos avanços que o setor passou nesses últimos anos, quais os obstáculos que persistem para a energia solar?
Apesar de um expressivo crescimento, ainda estamos 20 anos atrasados em relação ao mundo. Poderíamos estar muito mais avançados se tivéssemos tido no passado uma legislação que permitisse isso. Um dos desafios é a necessidade de praticidade das leis e dos regulamentos. Por exemplo, uma concessionária tem que ser mais ágil no momento de dar o acesso ao microgerador. Ainda é demorada a autorização de acesso e isso tem que mudar. Vale ressaltar também que a produção de equipamentos tem um custo cada vez menor, mas o custo ainda é alto se comparado à conta de luz, e é fazendo esta comparação que se calcula o retorno do capital investido. Então, é preciso ter financiamento a juros baixos.
8- As concessionárias estão freando o setor?
Não acredito que seja uma postura voluntária. Algumas concessionárias viam o setor como um rival, um concorrente. A legislação forçou as concessionárias a mudarem de visão e a passarem a fazer parte deste processo. E aí temos um desafio a ser superado. Se desejamos democratizar a energia solar como um todo, temos que permitir que mais empresas atuem no mercado, que mais oferta aconteça, e não fazer monopólios. As concessionárias não só têm que rever sua postura, como têm que entender a demanda de mercado. Algumas são mais evoluídas no sentido de caminhar para esta tendência, outras ainda são mais conservadoras. Mas a legislação é essa e, seguindo a lei, todas têm que dar o acesso e permitir, dentro dos prazos legais, que cada consumidor final possa ser gerador de sua própria energia.
9- Temos várias fontes renováveis buscando seu espaço no mercado. Há competição entre elas?
Não vejo uma competição direta. Vejo uma busca de cada uma delas por alcançar seu mercado. No caso da eólica, não podemos falar de geração distribuída eólica porque é mais difícil ter o recurso eólico com a mesma propriedade do solar em baixas potências. Na pior situação do Brasil, que é em Santa Catarina, ainda é melhor a produção de energia solar que na Alemanha. É muito mais fácil calcular sistemas solares em termos de recurso do que a energia eólica. Para a geração distribuída ou micro geração, a solução solar fotovoltaica ainda é a primeira opção. Já considerando a geração centralizada, existe a complementaridade com um parque eólico, por exemplo. As indústrias solar e eólica já estão conversando no sentido de grandes plantas trabalharem em sintonia.
10- Qual é o peso das fontes fósseis sobre a evolução das energias renováveis?
A energia renovável no país tem uma linha de conduta dentro da matriz energética já definida pelo plano energético do Ministério de Minas e Energia. A EPE (Empresa de Pesquisa Energética) considera números que nós poderíamos afirmar que são muito pequenos em relação à potencialidade que temos, tanto da eólica, como da fotovoltaica. Cada segmento traçará seu caminho de acordo com a demanda. A verdade é que o consumidor final estará mais apto a pagar para ter uma maior qualidade de vida. E isso, sem dúvida, passa pela fonte renovável.
*Essa reportagem foi publicada na edição 25 da Full Energy