Durante uma entrevista coletiva ocorrida na última quarta-feira (19), o diretor-superintendente do Hospital São Paulo, José Roberto Ferraro esclareceu a situação atual do hospital, desde a decisão do Conselho Gestor, no dia 30/3, de suspender as cirurgias eletivas diante da impossibilidade de manter os estoques de insumos hospitalares e medicamentos necessários para o atendimento das demandas. Segundo Ferraro, no mês de março, foram realizados 35.275 atendimentos no pronto-socorro e 1.343 cirurgias eletivas e/ou de urgência no Centro Cirúrgico Central. Já nos dezessete primeiros dias de abril, esses números caíram para 8.489 e 598, respectivamente, deixando 14.238 pacientes sem atendimento no pronto-socorro e 461 sem internações. “Hoje (19/4), o Hospital São Paulo está com somente 366 leitos ocupados dos 753 disponíveis”, informou.
Presente na assistência à saúde do Estado de São Paulo e em nível nacional por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), o Hospital São Paulo é o hospital Universitário da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e é responsável e referência pelo atendimento de alta complexidade para cerca de 5,4 milhões de habitantes da capital paulista e da Grande São Paulo, além de atender pacientes provenientes de outros municípios e estados da federação (veja no gráfico no release anexo).
A coletiva contou também com a participação da reitora da Unifesp, Soraya Smaili, e do presidente da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), Ronaldo Ramos Laranjeira.
Pesquisas ameaçadas
Por se tratar de um hospital de referência para o ensino e pesquisa da saúde no Brasil, essa situação coloca sob ameaça não apenas o atendimento à população como, também, a formação qualificada de profissionais da saúde e o andamento de pesquisas clínicas e acadêmicas extremamente importantes para o desenvolvimento científico do país, como as realizadas sobre o zika vírus, e recentemente divulgadas, doenças negligenciadas como infecções por fungos de difícil tratamento, doenças metabólicas infantis, técnicas de cirurgias menos invasivas, hepatite, câncer, transplantes de órgãos, entre outras. “Atualmente cerca de 730 dessas pesquisas estão em andamento no hospital”, explica Soraya. “Conhecimentos como esses não podem ser desperdiçados e, se forem interrompidos, podem demorar décadas para serem recuperados e afetar gerações de pesquisadores”.
Vinculado à área da saúde, o Campus São Paulo da Unifesp integra duas unidades universitárias, as Escola Paulista de Medicina e a Escola Paulista de Enfermagem, internacionalmente respeitadas, que atuam massivamente dentro do Hospital São Paulo, considerado o hospital universitário com o maior programa de residência médica e multiprofissional do país. Cerca de 40% dos residentes são provenientes da região Centro Oeste e Nordeste do Brasil.
Em seus corredores e ambulatórios circulam mais de 1.164 estudantes distribuídos nos sete cursos de graduação: Biomedicina, Enfermagem, Fonoaudiologia, Medicina, Tecnologia em Informática em Saúde, Tecnologia em Radiologia, Tecnologia Oftálmica, todos ocupando posições de destaque nas avaliações e pesquisas do ensino superior.
Em relação à pós-graduação stricto sensu, o campus oferece 37 programas de mestrado profissional, mestrado e doutorado com 2.632 estudantes matriculados. São oferecidos ainda 97 programas de residência médica e 15 programas de residência multiprofissional e dois de residência uniprofissional.
Em crise desde 2010
“Embora haja grande empenho e dedicação da direção do Hospital São Paulo para manter a prestação de serviços, de 2010 a 2016, a inflação e os dissídios salariais acumulados, representaram quase 60% de aumento nos gastos sobre a tabela de procedimentos e do contrato com o Sistema Único de Saúde e geraram um aumento obrigatório de 60% nos gastos, e um déficit mensal de até R$ 3 milhões”. Esses déficits vêm se acumulando, esclareceu José Roberto Ferraro.
Para manter suas atividades, a instituição buscou empréstimos bancários, gerando uma dívida que hoje está em torno de 149 milhões de reais, além de 11 milhões com fornecedores.
“Como qualquer outro bem de consumo, materiais e medicamentos necessários ao cuidado da saúde tiveram reajustes de preço, mas os procedimentos da tabela e do contrato do Sistema Único de Saúde não acompanharam essa correção”, explica o superintendente. Outros fatores como aumento da demanda de pronto-socorro e a alteração na data de pagamento do recurso SUS também contribuem para esse cenário. Além disso, o hospital utiliza-se de tecnologias de elevado custo nos procedimentos de alta complexidade, as quais muitas vezes são financiadas com recursos próprios.
Ferraro enfatizou ainda que o Hospital São Paulo, a Unifesp e a SPDM unem esforços para buscar os recursos necessários para que a instituição normalize o atendimento à população. Os gestores estadual e federal (ministérios e secretárias da Saúde) têm consciência dessa questão, pois são alertados constantemente pela direção do hospital das dificuldades financeiras e assistenciais – agora agravadas pela crise nacional na economia e o consequente aumento da migração de pessoas para o SUS.
A direção do HSP esteve reunida, por três vezes, com o Ministro da Saúde, além de encontros com gestores estadual e municipal e parlamentares para buscar recursos e melhorar o financiamento do hospital universitário. Para voltar a abrir as portas ao atendimento, é necessário que o hospital receba um aporte mensal de 1,5 milhão.
Ronaldo Laranjeira ressaltou, no entanto, que esse aporte não resolverá as dívidas acumuladas do Hospital São Paulo, que em função da própria crise no momento não consegue realizar outros empréstimos bancários para suprir as demandas do hospital. Laranjeira lembrou ainda que outros hospitais universitários se encontram na mesma situação.
“É de extrema importância que o financiamento dos hospitais universitários, estratégicos para o país, seja reavaliado e receba um olhar diferenciado por parte das instâncias governamentais”, afirmou.