Uma cena muito comum nos hospitais e clínicas brasileiras pode se tornar crime: a autorização prévia para atendimento de urgência e emergência. O Senado Federal aprovou um projeto de lei que veda e enquadra como crime a exigência de autorização prévia de operadoras de planos de saúde para atendimento de casos de urgência ou emergência. A proposta prevê pena de detenção de três meses a um ano, além de multa. Se a recusa de atendimento resultar em lesão grave ou morte, o tempo de detenção poderá ser aumentado em metade ou triplicado.
Alguns senadores queriam estender a pena para outros atendimentos, mas num primeiro momento apenas a autorização prévia de urgência e emergência será considerada um delito. Quando se trata de um caso de alto risco o atendimento deve ser imediato, sem qualquer tipo de consulta a operadora. O paciente corre risco de vida e, como em milhares de casos que acompanhamos diariamente pela mídia, pode perder a vida por conta da falta de atendimento urgente.
Para os serviços de pronto atendimento, cria-se a necessidade maior de serviços de triagem. Uma classificação de risco do paciente mais eficiente permitirá aos serviços de urgência e urgência a defesa diante de alegações infundadas de pacientes e familiares. Lamentavelmente, há aqueles que sabedores da criminalização da exigência de autorização, poderão tentar aproveitar-se de condições já sabidas de atraso de pagamentos e quiçá da ausência mesmo de plano, como ocorreu quando da proibição da exigência de caução para a realização de atendimentos.
Como em qualquer crime tipificado no Código Penal Brasileiro, será necessário instaurar um inquérito policial e a ação da equipe médica e do estabelecimento hospitalar deverá ser apurado, antes da aplicação de qualquer pena ou sanção.
Tal medida, se aprovada visa barrar a prática de hospitais e clínicas que tratam a vida comercialmente. Ainda que nossa sociedade seja capitalista, em que se visa sobretudo o lucro, a saúde deve ser vista como um bem social e coletivo a ser priorizado a qualquer custo. O paciente não deve ser enxergado somente como cifras, em especial ao ingressar em um hospital entre a vida e a morte.
O projeto aprovado pelo Senado também prevê que deverá responder pelo crime o representante, funcionário, gerente ou diretor dos planos de saúde ou da unidade de saúde que condicionar o atendimento à prévia autorização dos planos de saúde. A proposta também estende a punição a qualquer outro tipo de condição para o atendimento de urgência e emergência, como a exigência de cheque-caução ou nota promissória.
Ou seja, qualquer tipo de garantia financeira para o atendimento de urgência emergência também poderá resultar em crime. Vale lembrar que em Brasília, em 2012, o secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Duvanier Paiva Ferreira, morreu de infarto agudo do miocárdio após ter seu atendimento recusado em dois hospitais. Ele deixou de ser socorrido pelo fato de não ter podido fornecer um cheque-caução, garantia exigida até que fosse emitida a autorização do seu plano de saúde para o atendimento. Esse é um exemplo que ocorre cotidianamente nos estabelecimentos hospitalares pelo país.
No relatório dos senadores, fundamento utilizado para apresentar o projeto de lei, foi ressaltada nota técnica encaminhada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que descreve as autorizações prévias como mecanismos de regulação aceitos no mercado de saúde complementar, desde que não impeçam ou dificultem o atendimento em situações de urgência e emergência.
Logicamente, no papel, o texto impressiona e pode ser uma forma populista de se resolver um problema maior que é a precariedade no atendimento nos hospitais de portas abertas do SUS. Fato é que as punições demorarão a chegar. A responsabilização criminal e civil poderá salvar milhares de vidas todos os anos daqueles que procuram os serviços privados, mas e a questão dos públicos, os quais não exigem caução, mas acabam por trazer danos aos paciente pela demora no atendimento e a precariedade dos serviços?
Deve-se analisar com cautela esse projeto, para que ele não sirva apenas como mais um paliativo a esconder os reais problemas na saúde.
*Artigo escrito por Sandra Franco, consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde.