A longevidade já é uma realidade no Brasil de hoje e em grande parte do mundo. Os brasileiros passaram a ganhar cerca de três anos a cada dez graças à evolução das tecnologias médicas e ao maior acesso da população às informações sobre cuidados com a saúde. A longevidade, no entanto, não é a questão mais importante, mas sim a forma como a população deve enfrentar esta maior esperança de vida, que pode ser uma boa notícia para alguns e um desafio para outros.
“Não basta viver mais, mas viver mais com qualidade de vida”, afirma Paulo Marcos Senra Souza, Presidente do Conselho de Administração da Aliança para a Saúde Populacional (ASAP), ao relatar que para impulsionar a longevidade é fundamental a mudança de hábitos, pois junto com a idade avançada vêm as doenças crônicas, que são fruto de escolhas mal feitas ao longo da vida e que vão, aos poucos, incapacitando os indivíduos. “Esses males, para se ter uma ideia, respondem por 70% dos gastos com saúde no Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, motivados pelo estresse da vida moderna, pelo sedentarismo e por maus hábitos alimentares cultivados ao longo de anos.”
A maioria dos estudos que tem sido feita e divulgada sobre os novos desafios que o aumento da longevidade pode representar para o ser humano, está centrada em dois pontos: importantes cuidados que assegurem uma boa saúde física e a necessidade de garantir uma significativa reserva financeira, de forma que cada indivíduo possa assegurar que seja mantido o padrão de vida conquistado.
Mas é preciso trabalhar a necessidade e importância de encontrar novos sentidos para uma existência mais longa, segundo palavras de Renato Bernhoeft, Fundador e Presidente do Conselho de Sócios da Hoft Consultoria que, assim como Senra, também acredita que a questão não é viver mais, mas sim viver com qualidade.
“Este conjunto de desafios vai exigir que cada um se reinvente muito mais vezes ao longo da vida diante das questões para as quais não somos preparados desde a infância, e muito menos na fase adulta ou da meia-idade. Os modelos que nos educavam, quase que exclusivamente para a busca de uma estabilidade no mundo profissional, bem como também nos demais papéis de caráter pessoal, têm se mostrado inadequados para estes novos paradoxos. E, em alguns casos, podem até se tornar empecilhos para eventuais mudanças, ou reformulação, dos projetos de vida”, declara Bernhoeft.
Para o consultor, está claro que o retreinamento para uma aposentadoria produtiva permite tornar a longevidade um fator de enriquecimento não apenas para as pessoas, mas também para os países.
A longevidade e o sistema previdenciário
O crescimento do número de contribuintes para a Previdência, demonstrado pelas conclusões da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), pode ter um efeito enganoso quando olhada na perspectiva de 20 ou 30 anos. Especialmente ao considerar o aumento da longevidade do brasileiro, que aponta para uma perspectiva de descasamento entre o tempo de contribuição e o tempo do benefício.
Está claro que o projeto de descansar antes dos 60 anos se encontra cada vez mais distante do trabalhador. A expectativa de vida vem aumentando e o contingente que já cruzou a faixa dos 60 anos soma uma média de 12% da população. Serão 30% em 2050, segundo perspectiva de mercado. Mais gente vivendo por mais tempo significa maiores despesas. A matemática da longevidade desafia o caixa da Previdência Social e da Saúde, dupla que deve sofrer os principais impactos da vida mais longa.
De acordo com o Ministério da Previdência Social, o Brasil paga cerca de 30 milhões de benefícios (contando com a assistência social) e recebe em média 60 milhões de contribuições. Cada vez mais o número de contribuições e de pagamentos de benefícios se aproxima.
Para o economista e especialista em finanças públicas Raul Velloso três grandes grupos serão afetados pela longevidade nas contas públicas: a Previdência, a saúde e a assistência social. Segundo cálculos do especialista, os gastos com a Previdência e o funcionalismo federal podem chegar a 28,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2040. “Isso se nada for feito para frear os gastos. Com as despesas nessa proporção, ficam restritos os recursos para investimentos. É preciso fazer a reforma ou cortar gastos.”
Já o consultor Amir Khair pondera que a saúde do orçamento está ligada ao crescimento da economia. “As contas da Previdência só seriam explosivas no futuro se as despesas superassem a expansão do PIB.” Ele explica ainda que até 2021 o contingente crescerá na proporção de 4% ao ano para logo depois cair abruptamente para perto de 3% ao ano. Gradativamente, entre 2040 e 2050 atingirá o crescimento próximo a 1%. “O país tem potencial para crescer acima desse percentual”, diz.
Medidas como a mudança das regras para concessão de pensões e a queda do fator previdenciário, redutor das aposentadorias, pela fórmula 85/95 que soma tempo de contribuição e idade para mulheres (85) e homens (95) estão entre as estratégias para reduzir os impactos do envelhecimento no caixa da Previdência, que também respingam nas contas da saúde e na gestão hospitalar.
Impactos no sistema saúde
Graças ao avanço da medicina, as pessoas estão vivendo mais. O principal problema são as doenças crônicas não transmissíveis, que representam a maior causa de mortes entre pessoas idosas, tanto em países desenvolvidos, quanto em desenvolvimento, e são também responsáveis pela perda de capacidade funcional, maior dependência, maior demanda de cuidados, maior taxa de institucionalização e menor qualidade de vida.
A faixa da população brasileira com 60 anos ou mais já atinge mais de 10%. Na cidade de São Paulo, surgem 150 novos centenários a cada ano. Em 2010, eles já somavam 24.236 pessoas, segundo dados divulgados durante a Feira+Fórum Hospitalar 2013.
Para enfrentar esse processo é preciso repensar o modelo de atenção à pessoa idosa, incorporando novas estratégias e perspectivas de cuidados, propõe Paulo Senra, da ASAP.
“O centro da atenção deve deixar de ser a doença e passar a contemplar o idoso, com envolvimento da família, do cuidador e da comunidade. O atendimento e apoio devem incluir centros-dia e centros-noite, cuidadores profissionais, cuidadores comunitários e hospitais com leitos para pacientes crônicos temporários, entre outras medidas. É preciso também investir para prevenir os problemas que vão afetar as pessoas quando se tornarem idosas”, diz o executivo.
Os impactos do envelhecimento, segundo a Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, estão sendo sentidos especialmente pelos países em desenvolvimento, que ainda não contam com sistemas de saúde compatíveis com as necessidades de suas populações.
Os países desenvolvidos já alcançaram patamares mais estáveis de envelhecimento populacional e dispõem de redes de cuidados consolidadas. O aumento das doenças crônicas é o que mais impacta os custos da saúde.
Sustentabilidade nos negócios
Os fatores que levam as empresas a atingir a longevidade e sustentabilidade em seus negócios são os seres humanos, sempre. Essa é a conclusão de Senra, que afirma que no Brasil existem empregadores cujos funcionários têm milhões de reais na mão em projetos que dependem de sua produtividade. “Se ele está produzindo através da correção de sua doença a empresa vai ganhar em produtividade e metas. Eu diria que hoje só faz gestão de qualidade quem faz a promoção da saúde.”
Os gastos com assistência à saúde correspondem ao segundo maior gasto das empresas. Isso inclui tanto os custos com planos privados de assistência à saúde como a queda de produtividade relacionada ao absenteísmo e ao presenteísmo, segundo Senra.
O desafio para um melhor resultado é criar uma estratégia e gestão da saúde das populações corporativas para aumentar as possibilidades de impedir que casos perfeitamente controláveis possam chegar à alta complexidade.
“Nem sempre os gestores de recursos humanos detêm os esclarecimentos e estratégias necessárias para que a gestão da saúde de seus funcionários não seja apenas uma questão financeira. Quando se age assim, o custo acaba ficando muito mais alto do que o necessário.”
Neste contexto, o desenvolvimento de ações de Gestão de Saúde Populacional (GSP) é uma ferramenta estratégica para viabilizar o envelhecimento ativo da população e a sustentabilidade econômica do setor de saúde. Trata-se de uma linha condutora que auxilia na análise do impacto das determinantes de saúde e no conhecimento do risco de uma população, com o objetivo de definir melhores práticas e medir resultados com base em indicadores.
Estudos demonstram que os hábitos influenciam a saúde do indivíduo em 50%. Outros 20% são determinados pela genética, mais 20% pelo ambiente e 10% pelas condições de acesso à assistência à saúde. Ou seja, cerca de 70% da gestão da saúde está nas mãos do próprio ser.
“É fundamental, portanto, que se promova uma grande aliança em busca de soluções integradas, com uma visão ampla da saúde da população, gerando informação, conhecimento, resultado, evolução e incentivando o envolvimento e a responsabilidade pessoal de todos os públicos participantes. Assim, será possível ajudar os indivíduos a permanecerem saudáveis e os portadores de doenças crônicas a participarem de programas que contribuam para uma gerência eficiente das suas condições, promovendo o seu constante bem-estar”, conclui.