Principal polo econômico e industrial, o estado de São Paulo já chegou a ser conhecido como a locomotiva do Brasil. Nos últimos anos, outras unidades da federação cresceram em importância para o país, mas os números não deixam dúvidas da relevância paulista no cenário nacional.
De acordo com a publicação “Perfil da Indústria nos Estados” (2014), da Confederação Nacional da Indústria, o setor industrial de São Paulo produz o maior PIB industrial do Brasil: R$ 304 bilhões, o equivalente a 31,3% da indústria nacional, empregando 3,7 milhões de trabalhadores. Além disso, é o estado com maior PIB (Produto Interno Bruto) no Brasil, o que equivale a R$ 1.349,5 bilhões, ou 32,6% do PIB nacional.
Com 137.612 empresas industriais em 2013 (dos mais variados portes), São Paulo responde por 26,5% do total de organizações que atuam no setor industrial brasileiro. Na defesa deste segmento vigoroso, surgiu há mais de 80 anos a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). Uma federação que defende sindicatos patronais associados. “Hoje são 131 sindicados patronais associados à casa, o que corresponde a, aproximadamente, 140 setores da indústria, que são defendidos, apoiados e representados pela Fiesp”, explica Priscila Franklim Martins, coordenadora-executiva do ComSaude – comitê da Fiesp que apoia especificamente a cadeia produtiva de Saúde, Biotecnologia e Nanotecnologia e que foi criado para estabelecer uma comunicação imparcial com todo o setor, incentivando a interlocução de pautas e visando fomentar o diálogo entre todos as partes envolvidas.
Embora não seja um dos comitês mais antigos da Federação, o ComSaude é um dos que mais crescem na Fiesp. “Este comitê surgiu em 2007, depois de Franco Pallamolla e Ruy Baumer terem sido eleitos como presidentes da Abimo (Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios) e do Sinaemo (Sindicato da Indústria de Artigos e Equipamentos Odontológicos, Médicos e Hospitalares do Estado de São Paulo), respectivamente, que são duas entidades de apoio às entidades setoriais de da Saúde. ”
Assim que foram eleitos, Pallamolla e Baumer resolveram dar uma nova roupagem ao trabalho que vinha sendo feito tanto pela Associação, quanto pelo Sindicato, que era uma atuação muito técnica e que exigia um engajamento maior. “Em busca desse engajamento político, foram realizadas viagens periódicas a Brasília. Foi quando Baumer e Pallamolla notaram que havia uma grande carência de diálogo por parte de todas as entidades do setor. Faltava articulação maior com outros elos da cadeia”, conta Priscila.
Ao constatarem essa deficiência, os presidentes da Abimo e do Sinaemo levaram ao presidente da Fiesp, Paulo Skaf, a proposta da criação de um comitê de saúde: nascia então o ComSaude, que em 2017 completa dez anos. Ruy Baumer é atualmente o diretor titular, e cada área da cadeia produtiva da Saúde é representada por um diretor adjunto. “Os diretores dividem o tempo entre o trabalho em suas empresas ou entidades e a atuação no ComSaude, que é voluntária”, comenta.
O papel primordial do ComSaude é fomentar a cadeia produtiva e facilitar o diálogo. Na opinião de Priscila, a grande objetivo é “ser referência para toda a Saúde”. O propósito não é substituir o papel que as outras entidades representativas têm nesse segmento. “Queremos ser referência quando se pensa em todo o sistema. A Saúde tem várias engrenagens, mas não é sustentável se pensar apenas em uma ou outra ponta. O comitê está aqui exatamente para fazer esse link”, explica Priscila.
Bandeiras em prol da Saúde
O coordenador titular do ComSaude, Ruy Baumer, também destaca que um olhar holístico é o principal foco do comitê: “não só hospitais, clínicas, entidades profissionais, mas sim todos os setores, todas as 90 entidades que participam desse setor, ajudando-as a atingirem seus pleitos, principalmente na área de negociação política”.
Baumer explica que uma das frentes de ação do comitê é trabalhar pela isonomia entre o nacional e o importado. “Esta é uma questão histórica. O Brasil dá preferência para quem vem de fora, ao contrário do que é produzido aqui. Mas queremos igualdade. ”
Já na questão tributária, Baumer afirma que não há vantagem de se tributar cada vez mais o setor da Saúde. “Estamos sendo cada vez mais tributados, embora a maior parte desse tributo onere o próprio governo, que é o pagador desse serviço ou desses produtos”, relata. “O mais triste é que o dinheiro que é recolhido do setor pelo governo não volta para a Saúde, sem contar que uma parte fica pelo meio do caminho”, lamenta.
O comitê está pleiteando a desoneração da folha de pagamento. Segundo Baumer, o setor foi prejudicado com o sistema de tributação da folha de pagamento. “Quando pago sobre o faturamento, eu faturei e, por isso, estou pagando. Mas hoje, se faturar zero, só pelo fato de ter funcionário, tenho que pagar imposto, mesmo que eu não fature nada. ”
Na política arrecadatória que vigora no país, existe a incidência de imposto sobre imposto, nas diferentes esferas: municipal, estadual e federal. “Pagamos o imposto e demoramos muito mais para receber de volta o valor, que não é corrigido pelo governo e, muitas vezes, atrasa para chegar. ”
Outra bandeira do ComSaude diz respeito às parcerias com hospitais públicos, privados e entidades. “Temos que primeiro ajudar e apoiar a indústria instalada no Brasil, e não estou falando apenas da indústria nacional, mas daquela que está instalada no país, não importa quem seja o dono a desenvolver ou aperfeiçoar os produtos.”
Criando pontes
A preocupação do ComSaude em fortalecer o setor e valorizar o que é produzido nacionalmente não desfoca outra grande bandeira do comitê: a internacionalização. “Nosso interesse é, cada vez mais, internacionalizar esse setor porque, quanto mais internacional está, mais força o segmento ganha e mais inovação se obtém, tanto trazendo empresas do exterior pra cá, como levando companhias brasileiras para fora”, diz Baumer. Esta é uma pauta que ganha força no comitê, segundo Priscila. “É importante intensificar o diálogo com as autoridades e entidades internacionais, visando ampliar o mercado para as empresas brasileiras”, afirma.
Para isso, o comitê está trabalhando para se manter conectado com o que acontece ao redor do mundo. “Um exemplo mais recente foi a região de Ontário, no Canadá, que entrou em contato conosco. Quando perceberam que o comitê permite dialogar com toda a cadeia da Saúde no Brasil, se interessaram em apresentar a região de Ontário”, exemplifica Priscila, listando a aproximação bem-sucedida com outros países, como Bélgica, Holanda, Coreia do Sul, Itália e França.
As parcerias internacionais estabelecidas pelo ComSaude visam uma relação de mão-dupla com as entidades parceiras. “Não apenas levamos o empresário para fora, mas também trazemos os players internacionais para conhecerem as empresas brasileiras do setor”, frisa a coordenadora-executiva.
Um case de sucesso do ComSaude é o trabalho desenvolvido com a Holanda. “Começamos um ‘namoro’ com os holandeses nesses moldes, o que gerou uma aproximação que deu bons frutos.” Uma delegação holandesa visitou a Fiesp e fez reunião com os diretores do ComSaude. Entrevistaram várias lideranças do setor no Brasil, “o que gerou uma missão brasileira que foi à Holanda e conheceu de perto o que eles têm para nos ensinar”.
Agora, a visita de uma delegação holandesa ao Brasil está sendo costurada e deverá acontecer em breve. “Os holandeses já identificam o ComSaude como uma referência e um potencial apoiador do setor de Saúde da Holanda no Brasil”, diz Priscila, lembrando que esta aproximação deve ser creditada, em boa parte, a Eduardo Giacomazzi, diretor titular adjunto de Biotecnologia e Nanotecnologia. “Os resultados obtidos é um exemplo de que o trabalho do ComSaude é, acima de tudo, de criar pontes”, sublinha Priscila.
Ricardo Barros, uma gestão aberta ao diálogo
Saúde é uma das principais demandas da população. Tema este que sempre ganha destaque nas campanhas eleitorais. O problema é que, na opinião de Baumer, os governos eleitos, assim que assumem, esquecem dessa urgência. “O que se faz é simplesmente cobrir buracos. O engraçado é que, por parte da população, não se exige mais saúde, apenas se reclama daquilo que não está funcionando.”
Segundo ele, as mudanças nesta área não cabem apenas ao Ministério de Saúde. “Esta deve ser uma agenda da presidência, dos governadores e dos prefeitos. O principal executivo de cada Poder deve ser responsável pela Saúde em primeira instância”, frisa. Além disso, as iniciativas voltadas à Saúde não podem ser de uma gestão específica, mas devem fazer parte de um programa de Estado que deve perpassar os governos, e não ser modificado a cada gestão que se inicia. “Um país sério não tem esse tipo de postura.”
Para Baumer, o ministro Ricardo Barros, apesar de todos os problemas que tem enfrentado, tem um programa que vem sendo executado. “Embora seja um Ministro da Saúde que não é originário do setor, isso não o impede de fazer uma boa gestão. Ele tem conhecimento acumulado com orçamento de governo. A nossa visão é de que ele tem capacidade de gerir a pasta, mesmo não sendo ligado à área.”
Um ponto positivo da gestão de Barros, na opinião de Baumer, é sua disponibilidade de escutar e de aprender sobre os assuntos ligados à Saúde. “É unânime. Ele tem escutado a cadeia produtiva. E quando está convencido de alguma posição, tem capacidade de articulação para fazer acontecer”, diz.
Voo de galinha
E o futuro? Para Baumer, não está fácil prever o que se pode esperar para o Brasil nos próximos anos. “Apesar disso, o país tem uma característica que é a resiliência. Conseguimos navegar no meio dessa confusão toda. Mesmo com essa instabilidade e incerteza, o brasileiro consegue andar independentemente do que está acontecendo no governo.”
Um grande desafio que o país vislumbra, no momento, é a necessidade das reformas. “Elas precisam ser feitas com Temer ou com qualquer outro político, mas o que importa é que venham as reformas. E não adianta o governo segurar só porque a oposição está berrando. Quem pensa assim não está pensando no Brasil.”
Cada passo tem que ser com segurança. Mas um cenário com tantas incertezas traz o grande problema dessa história: “se não enxergo o que está acontecendo, não consigo fazer nada no longo prazo”, sublinha Baumer. Para o governo, bastaria interferir pouco e indicar qual é o caminho. “Assim o Brasil bombaria. Mas se faz muita besteira e o que temos são voos de galinha.” Com tantos percalços no caminho do setor, medidas responsáveis são necessárias. “A Saúde tem que andar.” –
Nano e Biotecnologia
A inovação é uma prioridade no ComSaude. Não por acaso que o comitê tem uma diretoria adjunta específica para as áreas de biotecnologia e nanotecnologia, que é liderada por Eduardo Giacomazzi. Segundo ele, estas duas áreas são transversais e abrem as possibilidades de novos desenvolvimentos em vários setores, e na Saúde não é diferente.
“Tanto a nano como a biotecnologia são tecnologias que vão possibilitar o desenvolvimento de novos produtos e novas tecnologias de nova geração”, explica Giacomazzi. No Brasil, existem 350 empresas de biotecnologia e, pelas estimativas, cerca de 200 de nanotecnologia.
De acordo com ele, o objetivo do ComSaude é reunir, em São Paulo, um polo importante de desenvolvimento, tecnologia e inovação. “Queremos reunir também empresas, centros de pesquisa e ser referência política em assuntos nessa área. Por isso juntamos biotecnologia e nanotecnologia. Isso também veio de uma orientação global da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que reuniu no mesmo comitê as áreas de nano, bio e tecnologias convergentes”, explica. Como o Brasil anunciou neste ano sua adesão à OCDE, o ComSaude julgou importante agregar a nano e a biotecnologia em seu campo de atuação.
Giacomazzi lembra que 90% das empresas em biotecnologia são pequenas. “Por isso, precisamos otimizar e dar mais suporte à criação de um ecossistema de inovação, tanto em bio como em nanotecnologia. Como os temas são novos e convergentes, queremos começar a apoiar com mais direção e força nesses assuntos para os setores de Saúde”, pontua o diretor adjunto do comitê.
*Matéria publicada na 48ª edição da Healthcare Management. Clique aqui e confira a edição completa.