Uma ciência pouco conhecida fora dos meios acadêmicos abre caminho para aliviar o sofrimento de pessoas acometidas por uma doença tão comum quanto misteriosa. A depressão afeta cerca de 10% da população mundial, segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS). Mas faltam tratamento e diagnóstico eficientes. Uma forma de melhorar o tratamento foi o alvo de um trabalho com proteômica, que estuda a ação das proteínas em determinados momentos e circunstâncias. Uma ciência complexa para investigar aquela que é uma das mais complicadas doenças neuropsiquiátricas. Sequer sobre sua causa há consenso e pistas conclusivas.
Oficialmente, existem 350 milhões de pessoas diagnosticadas, mais do que um Brasil e meio. Pelas contas da OMS, 40% dos deprimidos não respondem ao tratamento e muitos sofrem efeitos colaterais, de alergias a problemas sexuais e de peso. E são essas pessoas as potenciais beneficiadas pela descoberta de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A equipe liderada pelo bioquímico Daniel Martins de Souza descobriu uma forma de identificar quem integra esse grupo que não responde à medicação, o que abre caminho para oferecer uma terapia mais eficiente. “A meta é oferecer o remédio certo para cada paciente”, diz Martins.
Isso significa aliviar o sofrimento da mente — a depressão devasta o humor e o ânimo, erode a autoestima e a concentração e traz uma agonia constante de pensamentos em morte e suicídio — e os do corpo, associados a efeitos colaterais de medicamentos. A equipe da Unicamp se debruçou sobre a chamada depressão clínica, uma doença psiquiátrica crônica, diferente da tristeza profunda que pode atormentar qualquer pessoa sob grande estresse emocional, como o provocado por perdas e traumas.
RESPOSTA EM UM SIMPLES EXAME DE SANGUE
Martins criou há pouco mais de um ano o Laboratório de Neuroproteômica da Unicamp. Aplica lá o conhecimento que trouxe do Instituto Max Planck de Psiquiatria, na Alemanha, e do Instituto de Biotecnologia da Universidade de Cambridge, na Inglaterra.
“Temos duas linhas de pesquisa. Uma busca revelar as bases moleculares da depressão e da esquizofrenia. A outra procura identificar biomarcadores (espécies de etiquetas biológicas) para essas doenças”, explica o cientista. E foi exatamente isso o que ele fez num trabalho iniciado na Alemanha e que teve prosseguimento em Campinas. Analisou proteínas ativas no sangue de pacientes com depressão — amostras coletadas de voluntários na Alemanha — antes e depois da medicação.
“Os medicamentos, na verdade, controlam os sintomas, mas não a doença. E, ainda assim, um número muito grande de pacientes não responde a tratamento algum. Essas pessoas tomam remédios fortes, sofrem efeitos colaterais, e os sintomas da depressão permanecem. Queríamos entender o motivo e encontrar uma forma de contorná-lo”, salienta Martins.
Hoje os médicos não têm muita opção além de trocar a dose ou mudar a medicação. Além do sofrimento da doença não tratada, há ainda real risco de morte. Nos Estados Unidos, 3% das pessoas com desordens depressivas cometem suicídio. Elas representam 60% dos casos de suicídio nos EUA — no Brasil, não há estimativas semelhantes.
O grupo de Martins encontrou uma possível causa para a falta de ação dos medicamentos. E, curiosamente, nada tem a ver com genes já associados à doença. E, sim, com uma proteína chamada fibrinogênio, essencial para a coagulação do sangue.
“Pacientes com mais fibrinogênio no sangue tendem a não responder aos remédios”, explica Martins.
Em tese, um exame de sangue simples poderia identificar essas pessoas e ajudar os médicos na prescrição dos remédios.
“O fibrinogênio tem muitas funções. Um estudo com 75 mil pacientes com depressão já o havia associado à doença. Nossa hipótese é que ele “sequestre” o medicamento”, diz o cientista.
Isso aconteceria porque o fibrinogênio é, a grosso modo, “aderente” a algumas outras moléculas. As dos antidepressivos estariam neste caso.
“O fibrinogênio se ligaria aos antidepressivos e os impediria de chegar ao cérebro. Essa é nossa aposta no momento”, acrescenta.
O lado particularmente bom da descoberta é que o fibrinogênio é relativamente fácil de ser controlado. Sabidamente, o ácido acetilsalicílico (princípio ativo da aspirina) faz isso. “Confirmar esse dado é o nosso próximo passo”, diz Martins.