O Brasil avançou rumo a uma maior transparência na área da saúde. É o que demonstra o estudo “Uma abordagem inovadora: um caminho prático para aprimorar o setor de serviços de saúde por meio da transparência”, realizado pela KPMG em 32 países. Publicado em março deste ano, o estudo que analisou os principais pilares da transparência no segmento (Qualidade, Experiência do Paciente, Finanças, Governança, Dados e Comunicação), posiciona o Brasil na 12º colocação. O resultado aponta que o país não está tão bem situado como Dinamarca, Finlândia, Suécia e Noruega – que ocupam o topo do ranking – mas, está ligeiramente acima da média mundial com pontuação geral em transparência de 61%, índice superior ao de países como França, Alemanha e Itália.
No entanto, de acordo com o estudo da KPMG, existe uma grande variação nas seis dimensões de transparência avaliadas. O Brasil obteve uma pontuação particularmente alta em transparência no quesito “Governança” (81%), com pontuações relativamente altas também registradas em transparência nos quesitos “Experiência dos Paciente” (69%), “Finanças” (67%) e “Dados Pessoais de Saúde” (64%). Ao passo que as pontuações foram muito mais baixas em relação à transparência nos quesitos “Comunicação de Dados de Saúde” (43%) e “Qualidade dos Serviços de Saúde” (48%).
Enquanto o país passa por uma das crises mais profundas de sua história, implicando em mudanças políticas e sociais significativas, os temas governança e compliance são discutidos avidamente por gestores e líderes que acreditam na transparência como estratégia fundamental para impactar positivamente o mercado de saúde brasileiro. Quem aposta também nesta transformação é Carlos Eduardo Gouvêa, que acaba de assumir a Direção Executiva do Instituto Ética Saúde (IES). Atuando há 22 anos na área de produtos para saúde, o executivo acredita que o setor tem investido na revisão da forma de se praticar negócios, fazendo uma autocrítica séria e profunda, a fim de garantir a sua sustentabilidade no longo prazo.
“O Brasil tem passado por um momento de grandes mudanças políticas e sociais, que, obviamente, acabam por refletir no ambiente de negócios. Práticas que antes eram consideradas aceitáveis ou pelo menos eram toleradas, estão sendo banidas do dia a dia, após um importante processo de amadurecimento da sociedade, com revisão, inclusive, de valores. Neste sentido, o Instituto Ética Saúde tem liderado um grande movimento que tem tornado o ambiente de negócios em saúde cada vez mais ético, com regras claras e transparentes, o que, ao final, ao tornar o mercado cada vez mais justo (“fair market place”), diminui o custo total do sistema”, explica.
Segundo o executivo, ferramentas de compliance têm sido paulatinamente aplicadas por empresas dos mais diferentes tamanhos. Embora ainda seja mais frequente a adoção por empresas multinacionais (em função de movimentos globais neste sentido), o aumento da conscientização da importância do tema torna este um caminho sem volta. “À medida que as entidades setoriais apoiam iniciativas favoráveis ao compliance, as pequenas e médias empresas começam a se preparar. Em determinados setores, este movimento de adoção de sistemas de governança e compliance acaba sendo mais acelerado, como o visto na área de implantes, por exemplo”, ressalta.
Para o paciente, o impacto de uma cadeia produtiva mais ética é direto – uma vez que que garante acesso a produtos inovadores e cada vez mais adequados à real necessidade, com um custo menor.
O movimento liderado pelo Instituto Ética Saúde pressupõe a participação ativa de vários dos stakeholders do mercado – associações médicas, entidades representativas da indústria, importadores, distribuidores, prestadores de serviços (laboratórios, hospitais, logística, etc.), profissionais de saúde, além de outros interessados no tema, como órgãos públicos (ANS, ANVISA, TCU, CADE, etc.). “Todos devem interagir no sentido de garantir que o sistema tenha clareza das regras que devem ser seguidas e, para tanto, podem e devem lançar mão dos mecanismos de denúncia e ajustes que existem”, explica.
Para isso, acordos de cooperação estão sendo firmados com várias entidades ou órgãos que querem contribuir para o avanço. “O Brasil tem se mantido bem alinhado com as práticas mundiais, inclusive em termos de adoção de algumas regras básicas para o compliance. Neste sentido, o Instituto Ética Saúde e algumas das entidades que fazem parte de seu Conselho, assinaram acordos internacionais, como, por exemplo, a Coalizão Latino Americana de Compliance, firmado em Bogotá em meados deste ano”.
Principais Demandas
O IES mantém um Canal que recebe denúncias de violações éticas praticadas no mercado. De acordo com Gouvêa, como a ferramenta é relativamente recente, a amostragem ainda é pequena, e tem sido mais frequente registrar denúncias envolvendo distribuidores e profissionais de saúde. “Até este momento, o mais comum tem sido a remuneração médica por indicação de produtos. Os temas que se seguem, no canal de denúncias, têm sido taxa hospitalar e licitações”, destaca.
De janeiro a agosto de 2017, o Canal de Denúncias (0800-741-0015) recebeu 517 reclamações com um total de 1307 denunciados. São Paulo é o Estado que lidera o número de denúncias com 134 queixas, seguido por Mato Grosso do Sul (64 queixas), Mato Grosso (52 queixas), Rio Grande do Sul (48 queixas), e Rio de Janeiro (33 queixas).
A concessão de incentivos pessoais para indução de prescrição de produtos ou uso de material é o fator que mais registrou denúncias, acumulando 222 queixas. O pagamento ao hospital de taxa ou comissionamento vinculado a uso de material vem na segunda posição com 48 reclamações, seguida por práticas lesivas à concorrência e problemas com laudo médico de pacientes, somando 44 reclamações cada um dos itens. Outros pontos como fraude ou uso irregular de materiais, patrocínios educacionais ou científicos não permitidos e relacionamento impróprio com órgãos e entidades setoriais também constam no rol de reclamações.
Entre os denunciados estão 605 médicos, 402 distribuidores, 161 hospitais, 79 importadores, 32 operadoras de planos de saúde, 19 fabricantes, 6 institutos e 3 órgãos públicos.
Participação das Sociedades Médicas
Tendo o maior número de denúncias relacionadas às atividades dos profissionais de saúde, os Conselhos e Sociedades de Especialidades Médicas têm sido uma peça fundamental na revisão das práticas no setor. “A adesão destas entidades ao Instituto Ética Saúde tem demonstrado isto claramente, principalmente pela disposição em atuar de forma ativa na construção deste ambiente cada vez mais ético. A revisão de seus Códigos de Ética e Conduta, a discussão das práticas entre profissional de saúde e seus pacientes e mesmo a interação com os demais agentes da cadeia de saúde têm sido alguns dos pontos que estes Conselhos e Sociedades Médicas têm dado prioridade. Seguramente isto trará a necessária transparência para as relações existentes no setor”, assegura o diretor executivo do IES.
Caminhos para a Sustentabilidade
Carlos Eduardo Gouvêa ressalta que, em termos de negócios, a adoção de condutas éticas podem ser tornar diferenciais para empresas do setor garantindo, desta forma, a sustentabilidade empresarial. “Sem a necessária transparência nas relações de negócio, a cadeia toda pode ficar comprometida. Não basta o fabricante ser ético e atuar de forma correta se os seus representantes ou distribuidores não o fazem. Da mesma forma, se o produto não é utilizado de forma adequada pelo profissional de saúde no paciente, o objetivo da terapia ou tratamento não será alcançado, não sendo eficaz, além de desperdiçar-se o recurso escasso”.
Para o executivo, a discussão ampla e permanente de mecanismos que apoiem as boas iniciativas, como ajudar a implementar mecanismos de controle e ajustes das boas práticas de governança nas entidades e empresas e que sejam seguidos por todos os atores, inclusive profissionais de saúde, poderá ser, sem sombra de dúvida, o maior legado que o IES pode deixar.
Contudo, é essencial que toda a cadeia adote posturas éticas, com a preocupação em gerar relações sustentáveis, transparentes, lastreadas por produtos eficazes, que tragam um bom resultado para o paciente, contando para tanto com evidência que seja amplamente divulgada. “Quem atuar desta forma ética, transparente e colaborativa, certamente terá um grande diferencial competitivo”, conclui.
*Esta matéria foi publicada na 51ª edição da revista Healthcare Management.