Autor do livro “In Search of the Perfect Health System” (Buscando o Sistema de Saúde perfeito), o inglês Mark Britnell, 51, possui um brilhante conhecimento acerca de diversos sistemas de saúde por todo mundo. Em sua obra, Britnell compartilha estudos de saúde de 30 países, como Japão, Cingapura, Israel, Estados Unidos, entre outros.
Líder global da prática de healthcare da KPMG, Britnell já foi também um dos ex-diretores do sistema de saúde britânico (NHS). Em entrevista para a Healthcare Management, o especialista fala sobre o SUS e o Programa Saúde da Família, as peculiaridades de alguns países na Saúde, e também sobre modelos de financiamento que, segundo ele, no futuro, “a maior eficiência pode ser derivada de modelos mistos de pagamento para ajudar a incentivar a atingir metas de qualidade específicas.”
Qual é a sua análise sobre o SUS? Quais são seus pontos fortes e fracos?
É possível pontuar pontos positivos, porém, assim como em qualquer sistema universal de Saúde, este modelo precisa de uma transparente e forte economia para apoiar-se. Recentemente, ouvi o ministro da Saúde detalhando sobre alguns importantes avanços em eficiência e tecnologia para o SUS. Contudo, o congelamento do orçamento federal na Saúde coloca o setor público sob uma enorme pressão. Mas, acredito que mesmo com a crise, isso não deve enfraquecer o sistema, uma vez que este tem sido uma inspiração para vários países desde a sua introdução na Constituição de 1988. Percebo que um pobre sistema de saúde acarreta em mais custos para a economia do país. Comparando o sistema brasileiro internacionalmente, o Brasil gasta cerca de 10% de seu PIB na Saúde, mas sua performance, qualidade e expectativa de vida poderia ser muito melhor. Diferentemente dos Estados Unidos, que gastam 18% do PIB em um sistema limitado. É importante salientar que um bom sistema nacional de saúde acarreta em riquezas para o país. No trabalho que estamos realizando globalmente, estima-se que para cada US$ 1,00 gasto na Saúde, US$ 4,00 é gerado na economia por causa do alto valor de toda a cadeia de abastecimento da Saúde.
Como você analisa a importância do investimento em medicina preventiva? Qual país pode ser um exemplo nesta prática?
A qualidade e o impacto de alguns programas de saúde brasileiros são internacionalmente admirados. Entretanto, o Brasil pode aprender com muitos outros países, por exemplo, a atenção primária de Israel, que realiza parcerias entre operadoras e provedores para incentivar a vida saudável nas pessoas. Na perspectiva de promover Saúde, países como Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega, Suécia são os grandes destaques, com um ótimo desempenho na abordagem dos fatores comportamentais de risco, como o tabagismo e a obesidade. Internacionalmente, prevenção gera eficiência na atenção à uma população que está se tornando cada vez mais idosa. Há um grande reconhecimento quanto ao valor de programas de prevenção para os idosos, como aumentar a atividade física e conhecimento sobre a Saúde. A melhor prevenção está em incentivar um envelhecimento ativo e saudável, com participação desses cidadãos na vida social, cultural e econômica da comunidade em que vivem.
Você já destacou várias vezes a importância do Programa Saúde da Família do Brasil. Qual a sua visão sobre este programa?
Eu pontuei o PSF em meu livro como um dos 11 melhores exemplos na Saúde. É uma chave importante para o sistema e seus esforços para alcançar as comunidades pobres e isoladas têm sido muito elogiados. Assim como muitos países, Brasil não tem médicos e enfermeiros suficientes espalhados por todo o seu território, mas os serviços de atenção primária oferecidos pelo PSF buscam responder a essa deficiência. A atenção às famílias, bem como para toda a comunidade, acaba por promover a Saúde e o por isso o PSF tem sido um modelo de inspiração em muitos países em desenvolvimento no mundo, especialmente na África e na Ásia.
Em sua opinião, qual o melhor sistema de saúde do mundo? Por que?
Conforme escrevi em meu livro “In Search of the Perfect Health System”, não há um perfeito sistema de Saúde, mas cada país tem alguma lição para ensinar, e todo país tem algo para aprender. Baseado em minha experiência de trabalho em 69 países em mais de 250 ocasiões, coloquei em meu livro os pontos fortes e fracos de 30 países para que políticos, profissionais de saúde, pacientes e o público possam entender que cada país está enfrentando pressões com seus serviços de saúde, e o Brasil não é um caso isolado.
Mesmo assim, é possível pontuar algumas peculiaridades?
Apesar de afirmar que nenhum país possa receber o título de o melhor sistema do mundo, tracei 12 sistemas de alto desempenho que todos os países poderiam aprender. São eles:
– O sistema universal do Reino Unido – Este é o primeiro sistema universal de saúde, sendo um modelo em segurança, eficiência, custo e efetividade no cuidado centrado no paciente.
– Cuidados primários em Israel – Sua atenção primária é considerada excelente, com rápido acesso. É frequente consultas on-line e todos os pacientes possuem o registro eletrônico.
– Serviços comunitários no Brasil – O PSF já conseguiu obter a redução das taxas de mortalidade e de hospitalização por doenças crônicas.
– Saúde mental e bem-estar na Austrália – Desde 1992, governos sucessivos da Austrália financiaram e apoiaram a Estratégia Nacional de Saúde Mental do país, que promove uma abordagem mais progressista em relação à hospitalização tradicional. O país oferece um grande acesso a serviços psicológicos e intervenções rápidas nas crises e surtos psiquiátricos. É um modelo de sucesso na transição do antigo modelo de manicômios para o cuidado do doente ainda dentro da comunidade.
– Promoção da saúde nos países nórdicos – Setores público e privados adotam políticas de promoção à saúde, como o combate ao cigarro, consumo de álcool, obesidade e sedentarismo.
– Empoderamento do paciente e da comunidade em partes da África – Países da África subsaariana têm treinado pacientes para serem parceiros e as comunidades para atuarem como provedoras de cuidado.
– Pesquisa e Desenvolvimento nos EUA – Além de propor novos modelos de negócio e cuidados de saúde, os Estados Unidos destaca-se em um forte investimento público e privado em pesquisa médica (ciência básica, diagnóstico e terapias).
– Inovação, talento e velocidade na Índia – Destaca-se a rápidas respostas para problemas complexos. Exemplo disso é a assistência padronizada dos hospitais, o que acaba por otimizar o uso da mão de obra. A Índia também fabrica dispositivos médicos quando os fornecedores não reduzem o preço.
– Informação, comunicação e tecnologia em Cingapura – os registros de serviço de saúde são integrados eletronicamente, o que permite uma extensa análise clínica, financeira e operacional do sistema. Pacientes também podem acessar seus registros médicos.
– Escolha da Saúde na França – A escolha do paciente é uma singularidade do sistema de saúde da França, onde os cidadãos são livres de consultar qualquer médico ou ir a qualquer hospital de sua escolha. Não são necessárias referências para especialistas. Os pacientes fazem pagamentos por seus serviços, e depois são reembolsados através de um cartão de crédito de registro médico.
– Financiamento da saúde na Suíça – Os gastos com assistência médica representam 11,5% do PIB total do país, tornando-o o segundo sistema mais caro do mundo. O investimento da Suíça em seu cidadão e um bom ambiente para inovações permite uma economia forte combinada. O resultado são as pessoas mais felizes, saudáveis e mais educadas do planeta.
– Cuidados com o envelhecimento no Japão – Em 2000, Japão exigiu seguro de cuidados de longo prazo para atender pessoas com 65 anos, que oferece cuidados domiciliares, academias, centros-dias e residenciais destinados a diferentes perfis.
No Brasil, há muitos debates sobre o modelo de pagamento que, hoje, é na grande maioria pelo fee-for-service. Contudo, o setor tem discutido muito sobre o DRG. Qual a sua opinião sobre isso?
O impulso para a reforma do modelo de pagamento muitas vezes decorre da necessidade de controlar os custos e, em um sistema que o orçamento federal de saúde está sendo congelado, isso pode acelerar esta mudança. Os modelos fee-for-service recompensam o volume em detrimento da qualidade e oferecem pouco incentivo para que os provedores invistam em inovação. No entanto, um sistema de pagamento baseado em DRG é administrativo e tecnicamente mais complexo de entregar e não pode por si só melhorar os custos e a qualidade do cuidado. Para um país de renda média que deseje aplicar o modelo de DRG, é importante considerar a implementação com cuidado, com sistemas-piloto e tetos de despesas e adaptação local apropriada de qualquer grupo importado baseado em DRG. Globalmente, o DRG se tornou o meio mais comum de reembolsar hospitais para cuidados hospitalares agudos, mas, no futuro, a maior eficiência pode ser derivada de modelos mistos de pagamento para ajudar a incentivar a atingir metas de qualidade específicas.
Em algumas entrevistas, você destaca bastante o modelo de Cingapura. O que podemos aprender com este país?
Globalmente, Cingapura possui um dos melhores sistemas de saúde universal, com alta expectativa de vida e baixa mortalidade infantil, apesar de gastar apenas 4.6% do seu PIB em Saúde. Isto é possível através de um equilíbrio entre o direito individual e a responsabilidade social, reforçado pela capacidade do governo de empreender um planejamento a longo prazo e de explorar a tecnologia, incluindo o desenvolvimento do programa nacional de registo eletrônico de saúde. Estas são áreas que muitos sistemas poderiam aprender, embora o país ainda tenha questões a serem resolvidas, incluindo a desigualdade na saúde e a necessidade de uma maior integração dos serviços hospitalares isolados. Mas a invejável a reputação do país para a inovação.
Como é possível conciliar a alta tecnologia e qualidade com o baixo custo?
Cada vez mais temos exemplos de tecnologia guiando a qualidade para o baixo custo. Recentemente, visitei Israel e lá eles estão fazendo o melhor uso da tecnologia, incluindo inteligência artificial, para prever quando os pacientes ficarão doentes. Além disso, o país está investindo em tecnologia que fornecerá registros médicos e consultas telefônicas mais rápidas, mais acessíveis e mais barato para os pacientes. A Clalit, principal organização sem fins lucrativos de manutenção da saúde em Israel, tem mais de 70% de seus 4,2 milhões de membros acessando seus registros de saúde eletrônicos on-line. O compartilhamento de dados de pacientes em tempo real inclui registros médicos em atenção primária e secundária, dados de serviços de saúde aliados, registros de doenças, dados de farmácia e medicação, resultados de diagnóstico e imagem e dados sociodemográficos. Esta integração profunda é uma ferramenta poderosa para melhorar a qualidade do cuidado e permite benchmarking em tempo real da qualidade do sistema de saúde, acesso, experiência do paciente e custos. A questão agora enfrentada pelos provedores de cuidados é menos sobre como a tecnologia e a qualidade da saúde podem funcionar em conjunto com baixo custo e mais sobre como aproveitar isso e implementar a mudança com êxito.
Como você avalia a importância dos cuidados com o envelhecimento?
Quase todos os países estão passando pelo o envelhecimento da população e poucos – como Japão, Holanda e Cingapura – estão começando a tomar as medidas necessárias. As estatísticas falam por si. Com o envelhecimento da população, o número de pessoas com demência passará de 44 milhões, hoje, para 135 milhões em 2050. Lidar com esta e outras necessidades será um desafio global significativo. Em meu livro, dividi algumas das melhores práticas que vi em termos de cuidados para esta população. Um deles são as comunidades como cuidadores e o Japão tem feito um trabalho muito bom com o seu Sistema Integrado de Cuidados Baseados na Comunidade. Eles prestam serviços como bem-estar, cuidados de saúde, cuidados de longa duração e medidas preventivas dentro das comunidades existentes.
Como você analisa as parcerias público-privadas no desenvolvimento da Saúde?
Os cuidados de saúde privados precisam de uma transição para uma relação mais colaborativa e transparente em benefício dos pacientes e de todo o sistema. Os setores público e privado da saúde no Brasil parecem estar indo em diferentes direções no presente e isso não é bom para o país, para a sua coesão social e eficiência. Em muitos países de renda média, temos exemplos bem-sucedidos de parcerias público-privada. Isso envolve novas escolas médicas conjuntas, novos centros de cuidados, pacientes públicos a serem tratados em instalações privadas a preços nacionalmente ou regionalmente determinados e assim por diante. Eu discuto em meu livro como o mercado privado de saúde no Brasil é, atualmente, muito grande para ser visto simplesmente como um sistema paralelo e redefinir essa relação precisa ser a próxima etapa do desenvolvimento do sistema brasileiro.
Matéria publicada na 47ª edição da revista HealthCare Management.