Os custos com a Saúde e o avançado ritmo das novas tecnologias têm colocado os hospitais à frente da demanda. Em muitos casos são eles que promovem o desenvolvimento das inovações motivando o mercado fornecedor, principalmente através das empresas empreendedoras (startups), a resolver os problemas que atrapalham sua missão e seu gerenciamento. Na prática, impõem a demanda e esperam as ofertas do mercado. O resultado é a proliferação de milhares de pequenas e médias empresas desenvolvendo soluções para um ávido mercado hospitalar consumidor. No mundo, não faltam parcerias e experiências bem-sucedidas.
Um exemplo é o da NXT Health, empresa sediada em Nova York, que atendendo a uma demanda do Departamento de Defesa dos EUA foi incumbida de descobrir como será o quarto hospitalar do futuro. Junto com a Clemson University’s, eles cunharam o projeto “Patient Room 2020”. O principal desafio é incorporar avanços tecnológicos de uma maneira que a experiência de médicos, pacientes e assistentes possa ser melhorada, facilitando o trabalho dos cuidadores e oferecendo, ao mesmo tempo, conforto e segurança aos pacientes. Uma das soluções apresentadas foi a pia controlada por sensores que incentivam os profissionais de Saúde a lavarem as mãos. Quando uma enfermeira, por exemplo, entra no quarto a pia fica vermelha, lembrando aos profissionais que as mãos devem ser higienizadas. Depois da lavagem a luz (pia) volta a ficar verde. Todo esse conjunto é controlado por um sistema que afere os “infratores”. Os funcionários podem também utilizar um multitask, um tablet dentro do quarto que mostra a programação de cuidados de cada paciente (passada e futura).
Da mesma forma, atendendo uma solicitação de um grupo de hospitais preocupados com a melhoria do atendimento 24×7 (em geral só utilizados em pacientes em estado crítico), a Hoana Medical, sediada do Havaí, desenvolveu o Lifebed. Trata-se de uma cama que conta com inúmeros sensores ativos (sem qualquer fio, cabeamento ou eletrodo) que acompanha os sinais vitais do paciente (respiração, batimento, pressão, etc.). Quando ocorre um sinal fora dos padrões de conformidade, o sistema emite um sinal de alerta, que imediatamente avisa várias unidades que controlam a assistência. O “leito inteligente” é capaz de controlar também a mobilidade do paciente quando ele se levanta e sai do leito. Imediatamente o sistema alerta a enfermagem, evitando os inúmeros eventos de quedas, uma ocorrência que não só prejudica o paciente como também o custeio do hospital.
TECNOLOGIA PARA SEGURANÇA DO PACIENTE
Um grande esforço tecnológico está sendo feito para reduzir as quedas de pacientes internados. De acordo com a Agency for Healthcare Research and Quality, que investiga os problemas de segurança na assistência à saúde, entre 700 mil a 1 milhão de pacientes sofrem quedas nos hospitais norte-americanos. Esses incidentes resultam geralmente em fraturas, lacerações ou hemorragia interna, levando a inúmeras complicações posteriores. Relatório da Joint Commission Center for Transforming Healthcare mostra que, em média, essas quedas podem adicionar 6,3 dias ao custo de internação hospitalar. Ocorre que nem sempre a solução do problema passa só pela “educação” do paciente durante a sua internação. Outra pesquisa, desta vez da University of Texas Medical School, descobriu que os programas tradicionais de prevenção de tombos (incluindo a educação do paciente, utilização de andadores, etc.) podem não reduzir as taxas desse tipo de acidente.
NÚMERO 1 EM INOVAÇÃO
Um exemplo importante e inovador para mitigar o problema da queda de pacientes internados foi implantado pelo El Camino Hospital, localizado em Mountain View, Califórnia (EUA). Como um dos mais inovadores hospitais do mundo (número 1 no ranking Top Master’s In Healthcare Administration, que classifica os hospitais tecnologicamente mais avançados do planeta), ele embarcou em dezembro de 2014 em uma missão desafiadora e voltada à segurança do paciente: o desafio de zero quedas. Utilizando um sistema de análise prescritiva (analyticsMD), que obrigou o hospital a se reinventar em termos de comunicação, educação, fluxo operacional e tecnologias inovadoras de controle, eles reduziram em 39% o número das quedas de pacientes, atingindo esse percentual em apenas seis meses. A plataforma antiquedas utilizada (Patient Falls Prevention Plataform) introduziu um novo método proativo de prevenção. Sistemas sofisticados avaliam em tempo real dados de várias fontes (por exemplo, sensores que controlam o botão de chamada da enfermagem no quarto, o movimento cama, etc.). Algoritmos avançados preveem exatamente quais pacientes estão em risco iminente, sendo que as equipes de cuidados são alertadas através de dispositivos de comunicação sem fio (Vocera). Medidas imediatas são tomadas evitando as quedas, produzindo uma prevenção pontual. Ou seja, feita no paciente certo e na hora certa.
Outra demanda comum em que qualquer hospital é a punção venosa do paciente, efetuada em geral pela enfermagem. Muitas vezes (não importando muito o quão competente é o profissional) essa operação fica prejudicada pela dificuldade dos enfermeiros em estabelecer um bom acesso venoso. Não importa se ele está instalando uma linha EV, ou fazendo coletas de sangue, “estourar” uma veia é um problema comum, indesejável e desconfortável para o paciente, sem falar nos problemas colaterais que podem surgir (transfixação da veia, por exemplo). A Evena Medical, outro exemplo de pequena empresa, foi atrás da solução. Trata-se de uma companhia do Vale do Silício, fundada a menos de quarto anos, que inventou o Eyes-On Glasses, um óculos movido a bateria que permite aos profissionais de Saúde verem através da pele do paciente. Essa visão vascular facilita a inserção da agulha no local correto (veia) evitando os incidentes danosos.
Não faltam ideias, inovações e empresas dispostas a ocupar espaço no fértil terreno hospitalar. É sempre bom lembrar que inovações não são necessariamente técnicas ou tecnológicas. Muitas transformações e novos modelos de gestão estão alicerçados em conceitos culturais, comportamentais e operacionais (fluxo de processos, por exemplo) que requerem uma visão inovadora das soluções. Não poucas vezes, a tecnologia aportada pode fracassar se essa engenharia organizacional não estiver convergente com boas práticas gerenciais.
É necessário diferenciar um (1) hospital inovador e um (2) centro inovador de medicina. O primeiro produz valor através da gestão do paciente, utilizando mecanismos organizacionais e plataformas tecnológicas capazes de atender as demandas do paciente. Sua visão inovadora vai desde suas instalações físicas, passando por seu modelo de atenção patient-centered, incorporando elementos digitais de comunicação interna e externa, até chegar a prover ao corpo clínico um arsenal tecnológico-logístico-digital capaz de melhorar a assertividade dos diagnósticos e tratamentos.
No Século XXI, um Hospital Inovador concentra-se fortemente na conectividade, em seus sistemas de controle administrativos (ERP, Business Intelligence, etc.), em sua engenharia de processos (flexível e capaz de se ajustar rapidamente as demandas operacionais) e no conjunto de ferramentas eletrônicas que viabilizam a gestão clínica do paciente (Registro Eletrônico de Saúde, Prescrição Eletrônica, Gestão Digital de Medicamentos, Sistemas de Suporte a Decisão, etc.). Junte-se a essa cesta de elementos operacionais a nevrálgica e indispensável infraestrutura, que hoje é tão ou mais importante que um leito hospitalar.
Já um Centro Inovador de Medicina está centrado na pesquisa e no desenvolvimento das ciências médicas. Seu núcleo de atenção é promover ensaios, projetos de controle epidêmico, estudos acadêmicos e outras pesquisas que possam sustentar grandes saltos científicos. Seu foco são as orientações e análises de efeito-causa na área farmacológica e em inúmeras outras verticais da pesquisa médica. Sua inovação é científica e patológica, seu eixo de promoção é viabilizar meios, investimentos e instalações à comunidade médica centrada na pesquisa clínica. Seu embasamento será quase sempre nuclearizado nas funções acadêmicas. Não à toa, grande parte dos hospitais inovadores na área médica está direta ou indiretamente ligada às Universidades. Nos grandes centros hospitalares das nações do G20 existem muitos ambientes que acumulam as duas linhas de inovação (1 e 2), onde Hospitais Inovadores são ao mesmo tempo grandes Centros de Inovação Médica.
A Mayo Clinic (EUA), por exemplo, com 150 anos de atuação hospitalar, possui um avançado centro de investigação médica dividindo espaço com uma das mais modernas instituições hospitalares do mundo. Ao mesmo tempo em que produz pesquisa médica no tratamento do câncer, por exemplo, possui uma arquitetura tecnológica de atenção ao paciente invejável. Enquanto sua pesquisa genômica é reconhecida mundialmente, seu modelo de medicina personalizada é inspirador para vários países. Richard S. Zimmerman, professor de neurocirurgia da Mayo, explica essa simbiose: “As necessidades dos pacientes conduzem a nossa pesquisa. Como os médicos tratam os pacientes e percebem oportunidades para o avanço assistencial, eles trabalham em conjunto com os cientistas da Mayo para desenvolver ferramentas de diagnóstico, medicamentos, dispositivos, novos protocolos e outras inovações”.
O Wooridul Spine Hospital, em Seul, Coreia, por exemplo, é um dos mais inovadores do mundo. Fundado em 1982, seu eixo clínico é o tratamento das patologias centradas na coluna vertebral. O Wooridul administra uma rede de mais de 10 unidades em todo o país, sendo elas equipadas com sistemas de navegação cirúrgica, que são assistidos por computador. Possui um dos mais altos níveis de informatização hospitalar do país, sendo pioneiro em utilizar o Spinal Micro Therapy, que combina o raio X e a ressonância magnética, permitindo ao médico observar vistas seccionadas da coluna vertebral. Essa observação apoia a decisão médica sobre uma intervenção cirúrgica de forma rápida e com alta segurança. O hospital segue a filosofia MIST (minimally invasive surgery and technique), esforçando-se para destruir o mínimo possível do tecido saudável. O Wooridul International Patient Center, fundado em 2006, possui uma estrutura tecnológica de cuidados one-stop, que através de um sistema de Medical Call Center (24 hs – on-line) permite aos potenciais pacientes fazer contato remotamente como um centro de diagnóstico (teleconsulta), onde expõem seus problemas, suas dores, desconfortos, histórico clínico, incluindo discussões detalhadas sobre procedimentos, custos e hospitalização. A organização é acreditada pela Joint Commission International.
DIAGNÓSTICO HIGH-TECH
Em todo o mundo, mais 13 milhões de pessoas são diagnosticadas com câncer a cada ano. Dessas, 8,2 milhões morrerão devido a doença. A projeção é de que os casos de câncer aumentem 70% nos próximos vinte anos. Todavia, o câncer hoje já possui uma cesta de tratamentos com mais de 100 tipos de estratégias de prevenção. Infelizmente nem todos os países e poucos hospitais estão equipados para lidar com tantos casos de câncer. Nesse sentido, é cada vez mais comum e crescente o número de pacientes que optam por viajar em busca de hospitais com melhores e inovadores tratamentos. Percebendo essa oferta, muitas organizações estão se especializando no tratamento do câncer.
Em agosto de 2013, por exemplo, o Leeds Cancer Centre, em West Yorkshire, Inglaterra, tornou-se o hospital mais importante da Grã-Bretanha. Também é um dos mais importantes do mundo, e o segundo a oferecer o inovador tratamento de radioterápico Elekta Versa HD. Além de ser apoiado pela St. James’ University (do renomado St. James’ Institute of Oncology), possui uma inovadora plataforma tecnológica de imagiologia para detecção oncologia que já é reconhecida internacionalmente.
PARCERIAS
Algo pouco usual ainda no Brasil é trazer para dentro das organizações hospitalares parcerias com empresas desenvolvedoras de inovações tecnológicas. Essa coalizão de forças promove e agiliza o processo de inovação. As empresas podem testar seus produtos dentro de um ambiente hospitalar real, com risco controlado e análises de custo x benefício tangíveis.
A empresa Cyrcadia Health, sediada no Estado de Nevada (EUA) iniciou um ensaio clínico para detecção precoce de câncer de mama através de um sutiã sensorizado (wearable). A avaliação do produto está sendo feita desde julho de 2015 no El Camino Hospital. As primeiras participantes do ensaio já estão utilizando o dispositivo, e o acompanhamento é feito por uma equipe de especialistas do hospital. Variações de temperatura nos seios são sensivelmente aferidas pelos devices, que identificam anormalidades que podem indicar o estágio inicial da doença. Sem a participação do hospital ensaios como este teriam custos astronômicos e prazos de conclusão sem qualquer previsão.
Na Índia, o Fortis Memorial Research Institute, localizado em Gurgaon, foi chamado recentemente de a “próxima geração de hospitais”. É o primeiro do mundo a oferecer banda larga digital para ressonância magnética por imagem, sendo que o mesmo ranking Top Master’s In Healthcare Administration classificou-o em segundo lugar entre os 30 hospitais mais avançados no mundo. Não fica atrás o recém-inaugurado (outubro 2013) Bristol Hospital – The Chesterfield, em Bristol (UK). Trata-se do primeiro hospital totalmente digital da região, acomodando três salas cirúrgicas altamente informatizadas, alem de um centro avançado de diagnóstico. O centro cirúrgico (CC) possui um equipamento inovador, utilizado nas salas digitais de cinema, que permite aos cirurgiões ter total controle sobre todos os aspectos da cirurgia. Uma de suas inovações foi eliminar as salas de anestesia, sendo esse procedimento feito diretamente no centro cirúrgico através de inúmeros monitores digitais. Duas salas anexas permitem que outros médicos e profissionais de Saúde assistam a operação e acompanhem através de um iPod exatamente o que os médicos estão conversando (efeito educacional).
Outro exemplo de informatização-inovação é o Ramkhamhaeng Hospital, em Bangkok (Tailândia). Fundado em 1988, nunca deixou de evoluir tecnologicamente. Quando chegam, os pacientes recebem um cartão magnético (guide card) com código de barras. Os médicos inserem um pin e acessam o histórico eletrônico do paciente em tempo real, podendo se comunicar com outros médicos para discutir cada caso. Depois de identificar o diagnóstico, inserem as conclusões no prontuário eletrônico, transmitindo para uma central de medicamentos a prescrição eletrônica do paciente. Para pacientes internados, o Ramkhamhaeng utiliza um drug-allocating robot (mecanismo robótico para localização e dispensação de medicamentos) e vários outros aplicativos para controle da ingestão de drogas.
O mesmo ocorre com o The Upper River Valley Hospital, em New Brunswick, Canadá, que foi projetado para ser um hospital totalmente sem papel. Seus médicos gerenciam todos os registros dos pacientes digitalmente, acessando instantaneamente os dados clínicos e os compartilhando com o corpo clínico do hospital, bem como com especialistas fora do hospital. Sua rede de compartilhamento de dados é mundial, exibindo padrões de segurança de dados entre os mais avançados do mundo. O médico pode estar em qualquer lugar, a qualquer hora, e tem acesso aos dados do paciente internado.
O Asklepios Klinik Barmbek, em Hamburgo, Alemanha, é o chamado “hospital verde”. Quase tudo do que é ecologicamente correto é utilizado em sua operação, desde os aspectos enérgicos, passando pela alimentação e chegando até a higienização “limpa” está dentro dos padrões internacionais de bioconservação ambiental.
Existem muitas instituições de prestígio internacional que poderiam ser citadas, e que possuem uma longa trajetória de inovações, como os tradicionais Johns Hopkins Hospital (Maryland, EUA); Houston Methodist Hospital (Texas, EUA); MD Anderson Cancer Center (Texas, EUA); Guy’s and St. Thomas (Londres, UK); o célebre UCLA Medical Center (Califórnia, EUA); a hiperconhecida Cleveland Clinic (Ohio, EUA); o valorizado e respeitado Gleneagles Medical Center (Singapura); etc. No entanto, grandes inovações hospitalares estão ocorrendo em instituições menores. É sempre bom posicioná-las para enfatizar que a adoção de um modelo organizacional voltado à inovação independente do porte e região.