As agências reguladoras cumprem importante papel de fiscalização e regulamentação das atividades empresariais, possuindo poderes para edição de normas prescritivas de condutas, que preveem padrões/requisitos para o exercício da atividade, e de normas sancionadoras, com punições aos agentes regulados que infringirem suas normativas.
A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP consiste em uma das dezenas de agência reguladoras existentes no país. No exercício de suas funções, a ANP editou a Resolução Normativa 26/2012, disciplinando a produção de etanol, abordando, dentre outros temas, os requisitos cujo preenchimento são obrigatórios para a liberação da produção de biocombustíveis, incluindo a necessidade de apresentação de certidões negativas de débitos junto à própria agência.
Tal resolução foi revogada pela 734/2018, a qual manteve a exigência de apresentação de certidão negativa para a outorga de licença de funcionamento, definindo como prazo final para a regularização dos débitos tributários e apresentação da Certidão Negativa de Débitos (CND) em 31 de agosto de 2020.
Ocorre que, em razão da crise que afetou o setor sucroalcooleiro em meados de 2014, voltando a aparecer em 2020, em razão da pandemia ocasionada pelo coronavírus, diversas usinas produtoras de biocombustíveis não encontraram meios para cumprir com esse requisito.
Segundo a própria ANP, até julho de 2020, 117 unidades produtoras de biocombustíveis ainda apresentavam irregularidades quanto à apresentação dos documentos de débitos, correndo o grave risco de serem impedidas pela agência de exercerem suas atividades nesta safra 2020/2021.
No entanto, a exigência de CND para a concessão de licença/alvará de funcionamento se mostra absolutamente ilegal e abusiva, uma vez que consiste em uma medida coercitiva de exigência do pagamento de uma obrigação tributária. Em linhas gerais, ou a empresa paga ou tributo, ou estará impedida de funcionar.
A respeito da irregularidade de tal exigência, não apenas no âmbito da ANP, mas também de outras agências reguladoras, o Supremo Tribunal Federal editou as Súmulas 70, 323 e 547, confirmando o entendimento pela impossibilidade de se exigir a apresentação de CND como condicionante à concessão de licença de funcionamento, já que impede, de forma ilegítima, o exercício livre da atividade econômica, garantido pelo inciso XIII, do artigo 5º da Constituição Federal e do parágrafo único do artigo 170 do mesmo diploma normativo.
São diversos os pedidos de revisão de tal exigência na via administrativa, no entanto, sem sucesso. Importante reiterar que o prazo para a regularização dos produtores de biocombustíveis, por meio da apresentação de CND, se encerra em 31 de agosto de 2020.
Caso não apresentem a documentação na data referida, será instaurado um processo administrativo para cassação da licença de funcionamento, correndo o risco de não exercer a atividade produtiva da safra 2020/2021, cenário no qual o socorro ao Poder Judiciário se mostra uma via rápida para correção da referida ilegalidade e garantia de funcionamento da empresa.
- Artigo redigido por Otávio Carvalho, formado em direito pela Universidade de São Paulo e atua no escritório Dosso Toledo Advogados, em Ribeirão Preto.