Nos últimos anos, houve um aumento enorme no número de novas terapêuticas para tratamento de câncer aprovadas ao redor do mundo, mas com um impacto dramático nos custos. De acordo com Paulo Hoff, diretor geral do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês, estima-se que os tratamentos mais avançados possam custar R$ 60 mil mensais aos pacientes.
“Os custos dessas novas terapias são altíssimos não só Brasil, mas em todos os países do mundo. Trata-se de um problema global. Mesmo as nações mais ricas apresentam restrições ao uso indiscriminado desses medicamentos. Nós precisaremos de bom senso do profissional prescritor e fiscalização justa para que o emprego de novos medicamentos seja viável tanto no Sistema Único de Saúde (SUS) como nos planos de saúde”, argumenta Célia Tosello de Oliveira, presidente do departamento de Cancerologia da Associação Paulista de Medicina (APM).
“Devemos, sim, conversar sobre preços, mas jamais sobre incorporação de tecnologias que mudem a vida de pacientes. Muitas pessoas estão morrendo no País por conta da falta de acesso aos remédios corretos”, comenta Nise Yamaguchi, oncologista, imunologista clínica e diretora da Associação Brasileira de Mulheres Médicas (ABMM). Ela acredita que um caminho é a criação de uma Câmara Técnica para o assunto, que ouça sociedades médicas e estabeleça critérios científicos evidentes e sólidos para a vinda das novas tecnologias.
Gonzalo Vecina Neto, superintendente do Hospital Sírio-Libanês e ex-secretário municipal de Saúde de São Paulo, define como “tempestade anunciada” a discussão que se avizinha no seio da opinião pública: como levar os novos tratamentos desenvolvidos para pacientes com câncer à sociedade e como financiar esta entrada?
Demora nas liberações
O estabelecimento destes avanços no Brasil sofre com algumas barreiras. A primeira delas, conforme a presidente do departamento de Cancerologia da APM, é o fluxo regulatório de procedimentos, altamente burocrático. “Isso atrapalha a inclusão desses novos medicamentos no rol de drogas disponíveis para tratar o câncer e atrasa o desenvolvimento do País em relação às pesquisas clínicas e oportunidade da classe médica utilizar e se adaptar a essas novas práticas. ”
Segundo Hoff, nos Estados Unidos, já existem três remédios disponíveis comercialmente com boas taxas de resposta de sobrevida em tratamentos de casos avançados. “No Brasil, no entanto, nenhum deles está aprovado. Há uma terapia mais antiga permitida, mas que não está no SUS. O projeto de acesso expandido colocou alguns medicamentos na saúde pública, mas recentemente as regras mudaram e as farmacêuticas se desestimularam em ceder os fármacos por conta das exigências. ”
De acordo com Nise Yamaguchi, a regulação é um problema muito forte no Brasil, negando o acesso da população a muitas das medicações que já estão disponíveis. Inclusive em vacinas. “Há, agora, anticorpos que desbloqueiam a tolerância imunológica, mas são muito caros. Este dilema é complicado, pois os anticorpos podem levar a respostas completas e duradouras. Não falamos de cura, mas de tumores que deixam de crescer e que não retornam mesmo com a interrupção do remédio”, conta.
Protesto pela redução de preços
Cento e dezoito especialistas norte-americanos em câncer publicaram um manifesto no Jornal Mayo Clinic Proceedings, em julho deste ano, pedindo a redução no valor de remédios contra câncer nos EUA. De acordo com eles, o custo deste tipo de medicamento subiu demais nos últimos anos, muito acima dos tratamentos de outras doenças, levando famílias à falência, já que o sistema público de saúde norte-americano não é tão eficiente. “Há casos em que os tratamentos para câncer chegam a custar 120 mil dólares por ano… As novas drogas são tão caras que 20% dos pacientes não as estão tomando da maneira prescrita, causando avanços da doença e impedindo a cura em casos que ela poderia ocorrer”, relata o manifesto. Um em cada três indivíduos terá alguma forma de câncer durante a vida, segundo os especialistas, por isso, eles propõem algumas medidas para ajudar a reduzir os preços dos remédios contra a doença: importá-los de países em que sejam mais baratos, no Canadá, por exemplo, chegam a custar metade do preço dos EUA; criar uma câmara regulatória para determinar o preço justo dos tratamentos, após sua aprovação; e estabelecer novas normas para impedir que as indústrias farmacêuticas atrasem a entrada de medicamentos genéricos no mercado.
A especialista considera que, já que os brasileiros não têm acesso aos remédios, o País precisa ter uma abertura maior para acolher protocolos de pesquisa que mandam remédios para pacientes que precisam do tratamento: “Uma forma de ultrapassar esta questão é lutar veementemente para que o Brasil dê maior apoio à pesquisa clínica. Isso trará acesso aos tratamentos que são absolutamente determinantes nas chances de os pacientes viverem. É muito difícil saber que uma pessoa possui determinada mutação, mas não terá acesso ao remédio ou vacina que precisa”.
O Governo Federal, pondera o diretor de Oncologia do Sírio-Libanês, gasta R$ 3 bilhões ao ano somente com práticas referentes à Oncologia. Em 2014, o crescimento percentual deste investimento inclusive foi maior do que o crescimento do investimento total em Saúde. “A maior parte do dinheiro é destinada a novos medicamentos, mas também precisamos aumentar muito os trabalhos de diagnóstico e tratamento precoce”, aponta.
Medicina personalizada
A questão dos medicamentos oncológicos tem semelhanças relativas ao momento da história em que o vírus HIV/AIDS começou a ganhar novas terapêuticas. Naquela ocasião, a inovação dos antirretrovirais – muito eficazes, porém caros – foi amplamente discutida. Na década de 1990, a população pressionou legisladores, que optaram por universalizar o tratamento. “Houve, então, um consenso técnico importante entre todos os atores.
O resultado disto é que, hoje, não há casos de judicialização da Saúde com tratamentos relativos ao HIV. O nosso desafio é construir essas estruturas em uma área muito mais complexa”, prevê Neto.
Para ele, é importante que se evite a ideia da “bala de prata”, ou seja, de uma medida que resolva todos os problemas de uma só vez. Diversas decisões terão que ser tomadas e o especialista acredita que o único caminho possível passa por um debate entre academia, poder público, pacientes e indústria, visto o impacto epidemiológico, social, financeiro e político do câncer. “O refinanciamento da Saúde no Brasil também tem de entrar no holofote”, lembra. Conforme explica Célia Tosello, o conhecimento mais detalhado da doença é o primeiro ponto para os avanços: “Hoje, sabemos que um mesmo tipo de tumor tem comportamentos distintos em diferentes pacientes. Isso traz a necessidade de utilizar medicamentos específicos para cada caso”.
Na definição de Nise Yamaguchi, o câncer é, basicamente, uma mudança da estrutura da célula, que passa a crescer cada vez mais, invadindo outras áreas. Essas mutações acontecem por meio de vírus (como o HPV e os de hepatites B e C), junto com toxinas do ambiente, do cigarro, de adubos ou de inseticidas, por exemplo. Assim, se dá um conjunto que estimula a proliferação de células – que desenvolvem mecanismo para se evadir do sistema imunológico. “Os tratamentos hoje estabelecidos, como cirurgia, quimioterapia e radioterapia, por exemplo, estão migrando para o tratamento dos alvos moleculares exatos. Se você conseguir bloquear o câncer atacando o problema exato, a chance de ele desaparecer ou parar de crescer é considerável”, detalha. Esta tentativa de bloquear os alvos moleculares determinados é chamada de medicina personalizada ou de precisão. Por ser muito específico, o tratamento serve para um contingente muito menor de pacientes, refletindo no valor dos novos medicamentos. A diretora da ABMM conta que o desenvolvimento desta modalidade depende de estruturas gigantescas de tecnologias, tanto para a produção como para testes e pesquisas.
“Para sedimentar esse conhecimento genômico, há um custo embutido muito alto, levando em conta, inclusive, que muitos desses fármacos não obtêm sucesso nas fases de experimentação e, portanto, são descartados. O financiamento dessa tentativa entra na equação final da indústria ao definir os seus preços. É importante revisarmos este processo, pois queremos que os pacientes tenham mais acesso ao final”, pondera.
Paulo Hoff lembra que é muito importante que os pacientes adquiram consciência social também, se unindo para pressionar a discussão e as indústrias. “O investimento em pesquisas é caro, claro, mas as farmacêuticas não passam por dificuldades. É preciso tentar atingir um consenso sobre essa questão. Outro ponto fundamental é a responsabilidade médica na prescrição dos tratamentos, não é justo que o Estado arque com terapias de esperança.”
Futuro
O tratamento de Imunoncologia está aprovado hoje para dois tipos de tumores nos Estados Unidos: o melanoma e o de pulmão de células pequenas. Mas já existem diversos tipos de análises moleculares para outros cânceres. “Provavelmente, teremos uma pulverização de diagnóstico, com dezenas de novos tipos de subcânceres. Quando uma determinada mutação é tratada com o foco certo, o paciente tem benefícios enormes”, comenta o diretor de Oncologia do Sírio-Libanês.
“Tenho certeza que o Brasil irá incorporar esses tratamentos no futuro. Não há motivos para se negar a participar de algo que faz a diferença na vida das pessoas. É necessário um grande debate na área social e de acesso. Os pacientes têm de entender que precisam demandar a classe médica e o Governo da forma correta”, considera a diretora da ABMM.
Nise acredita, ainda, que é preciso melhorar o fluxo de pesquisas científicas. Com as regras e dificuldades atuais, muitas possibilidades de pesquisa são eliminadas por causa da demora na liberação. “Nós podemos tentar outros caminhos também. O estímulo à pesquisa traz a possibilidade de drogas mais baratas, que já estejam no mercado, avançarem e serem incorporadas para novos usos. Além disso, o desenvolvimento da consciência dos pacientes, o apoio a pesquisadores e a união podem mudar o panorama do tratamento do paciente com câncer no Brasil.”