Cardiologista renomado internacionalmente, Ernest Madu, diretor do Instituto do Coração do Caribe, na Jamaica, vem ministrando palestras pelo mundo inteiro a fim de fomentar o acesso à tecnologia e ao sistema público de saúde para cidadãos de países em desenvolvimento. Nesta edição especial do 100 Mais Influentes da Saúde do Brasil de 2018, trazemos o Perfil com Madu, eleito entre os 100 Mais Influentes da Saúde de 2017 também pela revista Healthcare Management.
Madu é um dos raros profissionais não europeus nomeado fellow do European Society of Cardiology College. Em entrevista exclusiva, Madu fala sobre a globalização na Saúde, a importância na educação em descobrir soluções para a realidade de cada país e a responsabilidade das multinacionais em assegurar que os avanços tecnológicos não sejam privados aos países com recursos limitados.
Saúde no Caribe
“Nosso modelo herdado pelos britânicos é, em grande parte, assimétrico e fragmentado no contexto das atuais necessidades de saúde e, portanto, nem sempre tão eficiente e ágil como se esperaria. Para proporcionar cuidados de saúde de alta qualidade à população, temos que superar os desafios associados à infraestrutura, ao capital humano e ao desenvolvimento de capacidades, à tecnologia, à alfabetização e ao acesso ao capital para impulsionar melhorias sistêmicas, treinamento de provedores e fornecimento de equipamentos adequados. O Instituto do Coração do Caribe reconhece esses desafios e por isso desenvolvemos um programa cardiovascular de ordem mundial que revolucionou a prestação de cuidados cardiovasculares na Jamaica e no Caribe de língua inglesa. Este processo também levou ao desenvolvimento do HIC Heart Hospital como o primeiro e único hospital de coração de serviço completo na Jamaica e todo o Caribe de língua inglesa.”
Educação x Tecnologia
“Educação e adoção de tecnologia de forma consciente são ingredientes essenciais para o desenvolvimento sustentável na Saúde. A educação é fundamental para orientar as necessidades de uma população e elaborar soluções adequadas que sejam específicas e adequadas para aquele local. A educação gera ideias e abre a mente para as oportunidades. Estamos vivendo um momento emocionante em que o rápido crescimento da tecnologia está levando a uma redução das lacunas e a eliminação de barreiras e limites geográficos na prestação de cuidados de saúde de boa qualidade. Infelizmente, muitos países em desenvolvimento ainda estão presos em um sistema educacional colonial que foi projetado mais para servir o interesse dos mestres coloniais, e não o da população local. Esse sistema educacional tornou mais difícil abraçar verdadeiramente as oportunidades oferecidas pelos avanços tecnológicos. O ponto de partida seria mudar o conteúdo e o currículo do sistema educacional em muitos países de baixos recursos para torná-los mais relevantes frente às necessidades locais. Com educação, torna-se mais fácil inovar, criar ou adotar soluções tecnológicas mais adequadas. Isso é algo que reconhecemos muito cedo em nossa missão no Instituto do Coração do Caribe e por isso abraçamos a telemedicina há quase 15 anos, o tem sido um elemento essencial da nossa eficiência.”
Importação por atacado
“A importação por atacado de tecnologias é, muitas vezes, uma abordagem errada e atende mais ao interesse dos países exportadores do que as nações importadoras. Muitas vezes, devido à grande lacuna de conhecimento em muitos países em desenvolvimento, existe uma dependência não saudável quanto ao que é recomendado pelos países exportadores. Infelizmente, as recomendações são, muitas vezes, mal informadas ou, no pior caso, o objetivo principal é melhorar os ganhos, em vez de resolver problemas para os países. A solução reside, novamente, em cada país revisar sua educação para garantir que seus cidadãos estejam obtendo informações relevantes a fim de reconhecer problemas locais, buscar soluções e adotar opções tecnológicas adequadas, acessíveis, econômicas, sustentáveis e eficientes para suas regiões. Como fazemos parte de uma aldeia global, as grandes empresas multinacionais têm uma responsabilidade moral e a obrigação de assegurar que os avanços tecnológicos não sejam privados aos países com recursos limitados.”
Compartilhamento tecnológico
“As soluções inovadoras nos permitem fazer mais com menos e quando isso é combinado com a aplicação estratégica da tecnologia somos capazes de quebrar todas as barreiras artificiais e tornar os cuidados de saúde de alta qualidade acessíveis a grandes segmentos da população. As inovações recentes na saúde digital, por exemplo, já começaram a desafiar as abordagens que foram usadas há décadas e, em muitos casos, isso levou a uma redução no custo e em melhores resultados. O monitoramento remoto melhora o atendimento de muitos pacientes com doenças crônicas, como hipertensão e diabetes, e reduz as rehospitalizações para muitos pacientes idosos. Estas ferramentas podem ter um impacto profundo na qualidade e no acesso aos cuidados se estrategicamente implantadas.”
Globalização
“O principal objetivo da tecnologia deve ser melhorar a experiência humana e a qualidade de vida. Quando a tecnologia não consegue isso, seu papel não se cumpre. A tecnologia também conduz a interconectividade entre as nações, impulsiona a globalização. A globalização pode, às vezes, trazer consequências não desejadas e isso é, frequentemente, prejudicial para as populações vulneráveis, que são as mesmas que menos se beneficiam da tecnologia. Isso, por si só, é um enigma infeliz e coloca em foco a relação exploradora entre os países ricos e os pobres. Por fim, compete à comunidade global analisar as práticas atuais e colocar medidas em prática para garantir que a humanidade como um todo esteja protegida dos efeitos imprevistos da globalização na saúde. A transmissão fronteiriça de doenças, como é visto com a SARS e as epidemias de Ebola, para usar apenas dois exemplos, é um lembrete de que nenhuma nação é imune às epidemias alimentadas pela globalização. É, portanto, uma política racional que as nações mais ricas façam investimentos deliberados no fortalecimento dos sistemas de saúde em nações de recursos baixos. Isso é do interesse de todos!”
Instituto do Coração do Caribe
Localizado em Kingston, na Jamaica, o Instituto do Coração do Caribe é um centro de referência no tratamento de doenças cardíacas. Destaca-se por ser um dos pioneiros da região em atendimento por Telemedicina. Foi graças a essa rede de especialistas conectados que o Instituto possibilitou a milhares de pessoas um atendimento local. Anteriormente, o paciente que necessitasse de um tratamento, tinha viajar até os Estados Unidos, particularmente na Flórida.
*matéria publicada na 52ª edição da revista Healthcare Management.