A saúde é um dos direitos sociais garantidos a todos os brasileiros pela Constituição Cidadã de 1988. No entanto, o texto da nossa Carta Magna muitas vezes não se aplica na prática, tendo em vista que as esferas federal, estadual e municipal podem falhar na oferta à população de serviços de assistência médica e hospitalar adequados. Nesse cenário, cabe ao setor privado de saúde suprir esta demanda deixada pelo Estado — ente este que, na busca constante por ampliar a arrecadação, mostra-se incapaz de oferecer segurança jurídica tributária às empresas do setor, provocando um aumento dos custos de suas atividades.
Entre as situações que mais oneram as empresas da área, destacam-se três mais frequentes: A primeira é a incidência de contribuição ao PIS e COFINS sobre medicamentos sujeitos ao regime monofásico e que são utilizados como insumo na prestação de serviços. A segunda é cobrança de ICMS-ST sobre operações que não caracterizam comercialização de medicamentos. A terceira é a dificuldade no cumprimento dos requisitos para a utilização da base de cálculo presumida específica para os prestadores de serviços hospitalares na apuração do IRPJ e CSLL pelo lucro presumido.
Os medicamentos vendidos pelas indústrias e pelos importadores, via de regra, estão sujeitos à incidência monofásica da contribuição ao PIS e da COFINS. Porém, é comum que os hospitais comprem esses remédios diretamente dos fabricantes para serem usados na prestação dos serviços. Logo, acabam sendo castigados pelo fato de os valores desses produtos serem incluídos nas bases de cálculo das contribuições no momento em que os hospitais fazem o seu próprio cálculo.
Isto decorre da proibição, pela Receita Federal, da aplicação da alíquota zero sobre a parcela da receita bruta dos hospitais relativa aos medicamentos sujeitos ao regime monofásico usados na prestação dos serviços. Os hospitais são, então, forçados a recolher os impostos sobre o valor total da prestação do serviço médico, que já abrange o custo dos medicamentos utilizados.
Lamentavelmente, a proibição foi ratificada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Tal decisão provoca prejuízos aos hospitais, mas também aos pacientes, que precisam desembolsar valores altos pelo atendimento no sistema privado de saúde.
Os prestadores de serviços hospitalares esbarram ainda em outro obstáculo: a cobrança do ICMS-ST na compra direta de medicamentos de distribuidores ou indústrias pelos hospitais, mesmo que esses compradores sejam isentos da cobrança do imposto. O STJ julgou legítima a cobrança do ICMS-ST nas vendas de medicamentos para os hospitais. E, como o Fisco Estadual não reconhece sua legitimidade, por não serem contribuintes do imposto, clínicas e casas de saúde não podem pedir a restituição dos valores pagos indevidamente.
Há também uma controvérsia ainda mais antiga no âmbito dos tribunais: a abrangência legal do conceito de “serviços hospitalares” para fins da utilização da base de cálculo reduzida na apuração do IRPJ e da CSLL pelo lucro presumido, que gera uma economia de aproximadamente 7,8% sobre a receita bruta destes contribuintes.
Foram anos de questionamentos quanto ao tema. Antes, o Fisco considerava que somente as empresas com capacidade para internação poderiam ser incluídas nessa categoria. Porém, o STJ entendeu que o tratamento fiscal diferenciado poderia ser concedido não só aos hospitais, mas também às empresas que prestam outros serviços médico-hospitalares, como radiologia e diagnóstico por imagem, oncologia, cirurgia plástica, hemoterapia e hematologia, entre outros.
Mais tarde, houve uma mudança na legislação com a Lei nº 11.727/08, que acrescentou outros requisitos para a apuração do IRPJ e da CSLL com a base de cálculo reduzida. Entre eles, destaca-se a necessidade de o contribuinte se organizar sob a forma de sociedade empresária.
Essa obrigação deixou o setor preocupado e contribuintes em dúvida se devem ou não aderir ou ao percentual menor de presunção das receitas tributáveis pelo IRPJ e pela CSLL. Afinal, apesar de a forma societária não exercer influência no desenvolvimento das atividades, a transformação em sociedade empresária gera consequências na tributação pelo ISS, que é diferente e menos onerosa para as sociedades médicas unipessoais.
Diante de todas as adversidades, nota-se que o setor privado de saúde não é tratado pelo sistema tributário nacional como uma atividade garantidora do bem estar social, apesar de seu inquestionável valor para a sustentação do direito constitucional à saúde. Esse cenário prejudica o crescimento, a evolução e o barateamento dos serviços prestados, limitando, assim, o acesso da população aos serviços hospitalares privados.
*Janssen Murayama é advogado tributarista, sócio do Murayama Advogados Associados.