O maior uso de planos de saúde privados poderia melhorar em qualidade e agilidade o atendimento médico do Sistema Único de Saúde (SUS), segundo o ministro Ricardo Barros. Defensor da criação dos chamados planos populares — com cobertura e custo reduzidos, em um novo modelo ainda em discussão —, ele sustenta que o mercado de saúde suplementar deveria ser livre, incluindo o reajuste das mensalidades dos planos individuais, atualmente regulado pelo governo.
— Tudo que puder ser financiado ou cofinanciado pelo cidadão (pela participação em exames e atendimentos junto ao plano de saúde) alivia o SUS, melhora o atendimento, que fica menos demorado, principalmente, para quem depende 100% do sistema público — disse o ministro durante o primeiro dos três encontros para debater novos modelos de saúde no Brasil, realizado pelo GLOBO, com patrocínio da Amil e apoio da revista “Época”.
Uma modalidade de plano de saúde mais acessível, diz Barros, seria um caminho para os quase três milhões de brasileiros que deixaram de ter cobertura privada durante a crise retomarem a cobertura.
— Defendo que as pessoas possam acessar o que têm capacidade de pagar. Plano de saúde é contrato de consumidor com fornecedor. Se o atendimento não estiver bom, a pessoa sai do plano. Não há por que querer regular o que a pessoa pode ou não querer e concordar em ter e pagar por isso. É mercado — explicou o ministro.
Uma das principais especialistas no setor de saúde no país, a professora da UFRJ Lígia Bahia chamou atenção, durante o debate, para o peso da desigualdade econômica no mapa de cobertura de saúde no país:
— A cobertura no Brasil é muito desigual. Em planos de saúde, ela segue a renda. O plano mais barato seria dedicado para as pessoas com menor instrução e renda, que são também as pessoas com mais problemas e dificuldade de acesso à saúde. O problema principal da organização dos recursos assistenciais não é a propriedade pública ou privada, mas a alocação desequilibrada desses recursos.
Na Austrália, há incentivo ao plano privado
“Saúde pública e suplementar — Um sistema único” foi debate realizado, ontem, no Museu de Arte do Rio. O evento contou ainda com a participação de Claudio Lottenberg, presidente do UnitedHealth Group Brasil, dona da Amil; de Luiz Augusto Carneiro, superintendente do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS); e a mediação de Luciana Casemiro, editora da seção Defesa do Consumidor. Carneiro, do IESS, reforçou que o incentivo do estado para o uso de planos particulares, para desafogar a rede pública, já existe em outros países:
— O mix entre o público e o privado na saúde depende de cada país. Na Austrália, onde 56% da população são beneficiários da saúde suplementar, o governo estimula o ingresso nos plano de saúde por meio de um incentivo fiscal, que devolve 30% do gasto anual com a cobertura privada como restituição de Imposto de Renda.
Barros destacou que 150 milhões de brasileiros, ou 70% da população, são atendidos pelo SUS, o que consumiu R$ 246 bilhões em 2016. O segmento de saúde suplementar, por sua vez, soma 47,38 milhões de beneficiários e teve despesa assistencial de R$ 135,5 bilhões no ano passado.
Os casos de atendimentos de usuários de planos de saúde pelo SUS, no entanto, ainda são uma questão polêmica e que têm acabado na Justiça. Desde 2001, foram realizados 3,8 milhões de atendimentos a usuários da saúde suplementar pelo SUS, gerando um custo de R$ 6,6 bilhões. Até março deste ano, 2,3 milhões de atendimentos foram considerados passíveis de ressarcimento, com custo de R$ 3,7 bilhões, segundo dados do Ministério da Saúde. O restante está em processo judicial.
— O ressarcimento é um problema porque é judicializado. Já pedi à ANS para que nosso sistema (de entrada no SUS) seja disponibilizado aos planos. Se um segurado entrar na rede pública, deve ser removido. Se não for removido, defendo que seja pactuado o que ocorre dali em diante. Se fizer tal procedimento, o valor é este e está resolvido — explicou Barros.
Para discutir as questões financeiras, defende Lottenberg, é preciso debater prioridades:
— É muito ruim discutir saúde falando apenas de dinheiro. Não adianta encharcar o sistema de dinheiro. A rigor, não se trata de politizar a conversa, mas tem que haver debate, sem radicalismos. Tudo o que pudermos trazer para aportar recursos para a saúde merece ser debatido.
Lígia avalia que o equilíbrio entre os sistemas público e privado deve ser feito através da definição de prioridades focadas em promoção de saúde. E cita o bem-sucedido avanço no combate à taxa de mortalidade infantil, uma conquista da rede pública.