No Brasil, o termo compliance vem ganhando importância e notoriedade. Um tema transversal e que tende a ser assimilado por todas as atividades econômicas. Na Saúde, por exemplo, a adoção de tais práticas ainda está caminhando, embora sejam muitos os desafios para que avanços sejam comemorados.
No setor, importantes entidades vêm dialogando esta necessidade. A Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para Saúde (Abimed) vem há mais de 20 anos realizando práticas de promoção à transparência, tornando-se uma das protagonistas em discussões que promovem a ética no setor.
Dentre os esforços da Associação, Carlos Goulart, presidente-executivo da Abimed, ressalta a criação da campanha “Transparência que gera Valor”, lançada neste ano. “A campanha prevê o trabalho conjunto com Ministério da Saúde e OPAS, discussão com os elos da cadeia sobre a viabilidade de criação de uma lei de transparência entre os fornecedores e profissionais da saúde, parceria com o Instituto Ethos para avaliação da maturidade das associadas e adoção de planos de melhoria e treinamento. Além disso, também está previsto a revisão do Código de Conduta. ”
Na busca por novas alternativas, a Abimed promoveu, recentemente, um debate entre os representantes da cadeia de saúde. O objetivo foi identificar caminhos provedores de transparência aos vínculos financeiros entre a indústria e os profissionais de saúde. Segundo Goulart, a discussão teve como pano de fundo o estudo da viabilidade de implementação no Brasil de uma legislação equivalente à americana Physician Financial Transparency Reports (Relatórios de Transparência Financeira do Médico), que se tornou conhecida como Sunshine Act.
A Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa), por exemplo, desde 2007, adota o Código de Conduta que, atualmente, está em sua terceira revisão. O documento diz respeito à relação entre indústria farmacêutica e classe médica, com o intuito de promover os mais rigorosos critérios éticos. Importantes entidades validaram o documento, como Associação Médica Brasileira, Conselho Federal de Medicina e Sociedade Brasileira de Cardiologia.
Segundo Maria José Delgado Fagundes, diretora da Interfarma, o Código de Conduta prevê um Conselho de Ética e um corregedor, ambos independentes, para fiscalizar e punir infrações às práticas previstas.
A FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar) também vem desempenhando um ativo papel neste cenário. Uma dessas frentes é o desenvolvimento de ações educativas para disseminar informações sobre os direitos do consumidor. A Federação participa do Programa Educação em Seguros, da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização, que promove uma ampla divulgação do funcionamento dos seguros, das proteções ofertadas, facilita a identificação dos riscos aos quais se está exposto e leva informações para uma decisão consciente na hora da compra.
Em paralelo, a FenaSaúde oferece a plataforma de comunicação ‘Plano de Saúde – O que saber’, que detém site e uma página no Facebook. Além disso, há três publicações editadas sobre as regras referentes à saúde suplementar: Guias do Consumidor, da Gestante e de Reajustes dos planos. “O objetivo é dar ainda mais transparência às informações e acesso a conteúdo simples e direto, esclarecendo os principais questionamentos dos consumidores”, explica o diretor-executivo da FenaSaúde, José Cechin.
Para Cechin, a Saúde Suplementar está cada vez mais madura e consciente sobre a importância de uma relação transparente. “Mais do que nunca, os direitos e deveres precisam estar claros para todos os atores desta cadeia. Por isso, reforçamos a busca de um amplo diálogo, transparente e objetivo”.
Outra entidade que vem atuando no incentivo à transparência é a Anahp – Associação Nacional dos Hospitais Privados. Em 2014, a entidade estabeleceu um Grupo de Estudos sobre Compliance, que resultou na elaboração do “Código de Conduta Empresarial — Compliance para Hospitais Privados”, um documento norteador para que os hospitais possam desenvolver seus próprios códigos.
A publicação foca em questões como integridade, solidariedade, transparência, gestão financeira, contábil e patrimonial, e a valorização do capital humano na Saúde. O relacionamento com os fornecedores, corpo clínico e operadoras também é abordado em capítulos que cobrem desde os objetivos e a abrangência do compliance para hospitais privados, até a acusação de atitudes impróprias, passando por temas como o respeito ao meio ambiente, liderança responsável, comunicação, relações com autoridades governamentais e órgãos públicos, interações com pacientes, entre outros.
“Em 2016, estabelecemos o Comitê Estratégico de Compliance a fim de propor estratégias, políticas, normas e procedimentos voltados à difusão e adoção desta cultura no âmbito corporativo e clínico das instituições”, ressalta o presidente da Anahp, Francisco Balestrin.
Uma das primeiras ações do Comitê foi identificar a maturidade desse tipo de iniciativa entre as instituições associadas. Através de uma pesquisa foi possível pontuar a necessidade de desenvolver um manual de orientação com os elementos básicos e fundamentais para o estabelecimento de um programa de ética e compliance nas organizações, denominado “Manual do Programa de Compliance Anahp”. “Em 2017, desenvolvemos uma dinâmica com os nossos associados para identificar o mapa de risco corporativo. ”
Unindo forças
Para fomentar ainda mais a transparência no setor, o Instituto Ética Saúde (IES) mobiliza distribuidores, fabricantes, associações médicas, hospitais e os planos de saúde.
Os resultados do trabalho são bastante expressivos, como o Canal de Denúncias, que já recebeu 505 notificações, com um total de 1248 denunciados, entre médicos, distribuidores, hospitais, importadores, operadoras de Planos de Saúde, fabricantes e outros.
“Mais de 280 denúncias já foram tratadas, 50 casos estão com o Conselho de Ética, 91 estão sendo encaminhados para a Ampasa, 85 estão finalizados e 218 denúncias estão em apuração”, afirma Gláucio Pegurin Libório, presidente do Conselho de Administração do IES.
O IES tem promovido treinamento e reuniões principalmente com os distribuidores. “Eles são os que ficam na ponta, que fazem o contato com o médico e hospitais. Todo ano temos, no mínimo, de 3 a 4 reuniões com distribuidores de diversas regiões do país a fim discutir sobre a transparência”, ressalta Libório.
Buscando unir ainda mais forças, a Abimed e o Instituto Ethos formaram, recentemente, uma parceria em prol da integridade do setor. Um dos projetos conjuntos entre as instituições será o mapeamento sobre o grau de maturidade em compliance das empresas associadas à Associação. “A parceria prevê palestras sobre políticas de integridade e palestras sobre a implementação de programas de compliance específicas de acordo com o grau de maturidade das associadas, nessa área”, explica Goulart.
Desafios para a transparência
Para o presidente do Conselho de Administração do IES, a incorporação e a execução de práticas de compliance têm algumas questões a serem superadas, como cultura, comunicação e confiança. Libório espera que o trabalho do Instituto, com a participação ativa do setor, possa dar frutos. “Temos um grupo que se reúne com o objetivo de trilhar um caminho na direção do compliance. Estamos trabalhando em conjunto e criando confiança para discutir os reais problemas da cadeia”, afirma.
Balestrin considera que, os inúmeros casos de corrupção que vêm sendo investigados no Brasil, acarretam num processo reflexivo entre os players do setor, que passaram a perceberem como é importante ter mecanismos para mitigar os riscos e promover relações mais saudáveis no mercado. “Especificamente no caso dos hospitais, cresce o número de estabelecimentos que buscam implementar a governança e processos de acreditação”, relata.
Segundo Maria José, o maior desafio para colocar em prática a transparência na Saúde é a busca por maior integração entre a classe médica e os demais players do setor. O propósito é discutir no detalhe as situações cotidianas e perseguir soluções que sejam práticas, eficientes, benéficas e dentro dos rigorosos padrões mundiais de compliance.
É preciso intensificar o combate às más práticas e fraudes, dando transparência aos processos. “Com todas as medidas sugeridas, o Norte para a mudança já existe, mas é preciso pôr em prática as ações. Precisamos que governo e sociedade ponham essa discussão na agenda política do país”, pontua Cechin.
Diante de tantos desafios, Goulart conclui que a maior dificuldade para a implantação da transparência em toda a cadeia de Saúde é o envolvimento do setor público e privado em um só elo. “Para funcionar bem, é necessário regular as frentes que atuam na Saúde. É fundamental que todo o setor esteja comprometido”.
Matéria publicada na 48ª edição da Healthcare Management. Clique aqui e confira a edição completa