A queda agressiva do número de beneficiários de planos de saúde no país pode causar um efeito avassalador no já fragilizado SUS. Não se trata somente da migração de 3 milhões de beneficiários do setor de saúde suplementar para o público, mas também da quebra de um crescimento histórico do número de vidas atendidas pelos planos privados, na ordem de 4 milhões ano.
Esse cenário provocou duas reações, uma da iniciativa privada e outra do governo. Na iniciativa privada, cresceu o número de clínicas que ofertam consultas médicas e exames a preços acessíveis. Esses serviços foram incrementados por meio de aplicativos (uberização) facilitadores da vida do consumidor, que consegue encontrar um especialista com mais agilidade, sem contar o baixo tempo de espera para a consulta. Há, inclusive, serviços que disponibilizam a consulta na residência do paciente.
O crescimento desse mercado também tem como fator a insatisfação dos beneficiários de planos de saúde, em especial pela demora em conseguir uma consulta com especialista. A ANS, por exemplo, estipula que o período entre a marcação da consulta e sua realização pode ser até de 21 dias.
Em contrapartida, muitos aplicativos e clínicas populares viabilizam que a consulta ocorra num curtíssimo espaço de tempo; às vezes, no mesmo dia.
Não se pode esquecer, no entanto, raramente estão abrangidas as atividades hospitalares nesses serviços, que são inequivocamente as de maior custo. Paralelamente ao movimento desse novo mercado, há movimentos no Ministério da Saúde e na ANS para tornar os planos de saúde novamente viáveis e atrativos.
Há muita relevância nas estratégias envolvidas nos dois movimentos, já que ambos podem fomentar a migração do consumo de serviços públicos de saúde para o privado. Dessa forma, haveria uma desoneração dos serviços do SUS, permitindo que orçamento público de saúde seja destinado àqueles que efetivamente não têm condições de contribuir, ainda que minimamente, para custeio da própria saúde.
No mais, aqueles outros, que reúnem poucas condições financeiras, dariam conta de arcar com os serviços mais básicos (como consultas e exames), de forma a onerar o SUS apenas em casos extremos.
Mas, desse cenário surge um conflito entre dois grupos distintos que exploram serviços de saúde. De um lado, as clínicas populares, um setor pouquíssimo regulado que, também por isso, reúne condições de ofertar preços mais acessíveis. De outro, as operadoras de planos de saúde, que vivem uma intensa regulação pela ANS e uma influência excessiva do Judiciário.
Em razão desses fatores, os serviços de saúde suplementar têm menos maleabilidade para criar alternativas ao modelo de serviço prestado (tanto que precisam de uma movimentação em nível governamental) e também têm seu custo sobrecarregado pelos efeitos da regulação.
Por isso, a solução apresentada pelo Governo, se implementada, não deve atrair a população. Ainda que as operadoras consigam prestar serviços equivalentes aos das clínicas populares, o alto custo da regulação influenciará decisivamente o preço, tornando-o sempre superior.
O caminho mais adequado passa, portanto, pela diminuição da alta regulação das operadoras. Essa diminuição terá dois efeitos: primeiramente, dará mais liberdade na contratação, de modo que a diversidade de produtos oferecidos não dependa sempre de uma intervenção estatal; no mais, há um alto custo financeiro, derivado da necessidade de existência de altas reservas financeiras (alto típico do regime securitário) como autorizador para início e manutenção dos serviços de saúde suplementar.
Essa técnica, que visa a dar segurança aos beneficiários (de não se depararem com um encerramento abrupto das atividades da operadora) pode ser substituída, por exemplo, pela imposição de modelos de boa governança, acompanhados da já existente abertura dos números financeiros.
*Artigo publicado por Sílvio Guidi