Solução de ponta para aumentar o acesso ao atendimento médico especializado no país, a um custo menor, a telemedicina já é uma realidade e deve ser exercida de acordo com as normas do Ministério da Saúde, da Anvisa e do CFM
A telemedicina, por sua capacidade de agilizar processos urgentes, encurtar distâncias e otimizar o tempo, tem se mostrado, cada vez mais, uma ferramenta imprescindível para enfrentarmos os principais desafios que se apresentam no setor da saúde em nosso mundo contemporâneo. O procedimento – que permite, remotamente, realizar consultas e diagnósticos, monitorar pacientes e formar profissionais –, facilita o contato com médicos especialistas, raros no interior do Brasil. Dessa forma, do ponto de vista econômico e social, o setor se constitui uma área estratégica, pois, além de gerar inovações e impulsionar diferentes indústrias, facilita o acesso à saúde, integrando regiões remotas com centros de referência.
No entanto, essa junção da tecnologia com saúde, para ser amplamente utilizada, deve obedecer a uma regulamentação específica. O controle, obviamente, serve para garantir a segurança do paciente e o sigilo de seus dados e informações. No caso específico da telemedicina, os equipamentos e softwares empregados para transmissão de dados e videoconferências já são considerados dispositivos médicos (os chamados medical devices). Ou seja, estão na agenda dos órgãos reguladores internacionais de saúde. No Brasil, os dispositivos médicos estão sob o controle do Ministério da Saúde, por meio da Anvisa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária. O Registro no Ministério da Saúde (RMS) é a garantia de que o produto está de acordo com a legislação sanitária e a concessão para sua utilização é dada pela Anvisa.
“Os processos envolvendo os profissionais e os doentes – da parte clínica ao tratamento, passando pelos exames – devem estar resguardados pela legislação e pelo bom senso, que deve nortear o exercício da medicina e a prática da telemedicina”, ratifica o médico Ronald de Lucena Farias, presidente da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia (SBN). Na entrevista a seguir, o neurocirurgião, com grande conhecimento na área de gestão, trata a telemedicina como saída criativa e importante para os hospitais e clínicas, em tempos de escassez de recursos e de especialistas. “Num país de dimensões gigantescas como o nosso, com uma pulverização tão grande de municípios – muitos com poucos habitantes, o que dificulta a consolidação de estruturas complexas – a telemedicina é uma excelente via de contato entre médicos e pacientes.”
Hoje sabemos que o interesse dos médicos em atuar em cidades do interior do Brasil está diminuindo. Isso traz uma carência de especialistas. O senhor acha que a telemedicina pode ser uma alternativa para o atendimento nessas localidades?
– Acredito que sim. Há um descompasso entre a quantidade de médicos que se formam e o número de especialistas. Na área clínica, há um superdimensionamento. Mas, no setor de especialidades médicas, de forma geral, há carência de profissionais com qualificação. E não dá para expandir a curto prazo essa formação de especialistas. A atenção básica no Brasil é boa, funciona. Mas, no caso dos especialistas, essa questão não está bem resolvida. A telemedicina, então, pode preencher essa lacuna.
E de que forma a telemedicina pode suprir essa demanda?
– Quando se está dentro do problema, é preciso ser criativo para buscar soluções. O avanço da banda larga no Brasil permitiu que as cidades menores tivessem mais acesso à internet, à comunicação. Isso é de pouco tempo para cá. Com essa estrutura, os gestores têm de pensar e utilizar as novas soluções. A telemedicina pode ser uma saída. É uma solução factível, porque é relativamente barata e evita deslocamentos.
O que falta para essa expansão se consolidar?
– O processo está bem amadurecido e existem condições estruturais para que a telemedicina se expanda no Brasil. Há tecnologia de qualidade disponível, capaz de permitir uma interação entre a comunidade local e um médico a distância, e em conformidade com as normas da Anvisa e Conselho Federal de Medicina (CFM). E, agora, a classe médica está começando a enxergar melhor a telemedicina como oportunidade.
Na sua avaliação, esse caminho será trilhado rapidamente?
– Com certeza. É preciso primeiro difundir mais a tecnologia, expandir esse conhecimento. E, posteriormente, passar para a fase de treinamento. Esse preparo é tranquilo, uma vez que o médico é um profissional altamente qualificado, com domínio de várias ferramentas de TI. Agora, os especialistas precisam assimilar que esses procedimentos já fazem parte de sua rotina.
Como a sociedade médica em geral vem tratando o tema?
– Entre os conselhos regionais de medicina, há uma compreensão de que é possível caminhar para essa flexibilização no atendimento. Para esses órgãos, e para o CFM, a telemedicina é eticamente aceitável desde que no local de atendimento exista outro profissional médico, conforme a legislação em vigor. Numa situação como a do interior de muitos estados, o médico da atenção básica pode atuar integrado a um núcleo de telemedicina a distância. É preciso haver essa integração.
De que maneira esse processo pode ser aplicado?
– O médico da atenção básica é o que prepara o atendimento e inicia o diagnóstico. O especialista, do outro lado, vai avançar no diagnóstico mais aprofundado. Como feedback, o médico da atenção básica vai aprender mais, receber um ‘treinamento’ do especialista. Para o paciente, há um ganho também, porque isso permite uma ‘multiplicação’ de conhecimento especializado na atenção básica. Haverá apoio, no seu tratamento, de neurologista, endocrinologista, cardiologista, pneumologista, ou seja, da especialidade necessária. A sociedade médica precisa entender que telemedicina é uma ferramenta ágil, e que é preciso se apropriar dela, se habituar a ela. Os profissionais da saúde precisam ter isso claro.
E como torná-la mais difundida, na sua opinião?
– É uma questão de divulgação. Gestores da área e médicos precisam conhecer mais sobre a telemedicina. Ainda há desconhecimento das normas de funcionamento, das suas possibilidades, do alcance da tecnologia e da facilidade de uso. O desafio, no meu entender, é romper a resistência da utilização da TI.
Dentro da sua especialidade, o paciente vítima de qual patologia pode se beneficiar com a telemedicina?
– Sem dúvida aquele que sofre um acidente vascular cerebral (AVC), uma das intercorrências mais frequentes em nosso país. O protocolo de atendimento ao AVC exige urgência. Se existe no interior um PS com médicos urgentistas, por exemplo, e, na outra ponta, uma equipe de neurologistas dando suporte, esse atendimento pode ser otimizado via telemedicina com muita rapidez. E isso faz toda diferença na vida de um paciente que teve um AVC.
Em relação à segunda opinião médica, como o senhor vê o papel da telemedicina?
– A telemedicina tem importância grande nisso. A Agência Nacional de Saúde (ANS) aprofundou os processos de regulamentação das juntas de arbitramento. Elas foram criadas para diminuir conflitos entre médicos, pacientes e operadoras de saúde. Pelos novos regulamentos da ANS, essas juntas de arbitramento vão se tornar obrigatórias. Elas ficam localizadas em grandes centros, dando apoio a outros locais mais remotos do Brasil. Se houver um conflito em João Pessoa ou Cuiabá, por exemplo, vai existir um médico presencial para julgar essa questão, mas com suporte de outra junta com pelo menos três médicos, localizados em centros maiores. Mas tudo tem de ser feito de acordo com a regulamentação do CFM, para garantir o sigilo e a integridade das informações.
E quanto à questão legal, em relação aos equipamentos, o senhor sabe dizer em que situação o Brasil está?
– No Brasil e em outros países, a telemedicina, desde que começou a ser utilizada como método de diagnóstico e de tratamento, entrou na agenda dos órgãos regulatórios internacionais. Isso é preciso para padronizar o atendimento. Essas tecnologias passaram a ser consideradas também medical devices, e estão sujeitas às normas tecnológicas de cada país. Então hoje, seja em Nairóbi, nos Estados Unidos ou no Brasil, existe registro para esse tipo de produto. Isso é um avanço, mostra uma evolução no sentido de proteger o paciente. Vale lembrar que um contato via Skype com finalidade de tratamento, como muitas vezes é feito, não é aconselhável. Tampouco via WhatsApp. Pode até funcionar, mas não é a ferramenta correta para isso. Deixa os dados dos pacientes totalmente vulneráveis. Um ato médico não é tão simples como a gente imagina. Além do atendimento tem o sigilo da informação. Tem que ter todo um sistema preparado para isso. Não adianta querer agilizar um atendimento pecando pela falta de sigilo e utilizando mídias que não seguem as normas legais para procedimentos médicos.
Dentro desse contexto, como o senhor avalia o futuro da Telemedicina no Brasil?
– Eu vislumbro um campo muito promissor. Basta lembrar que os recursos para a saúde diminuíram. Fora isso, há a questão da falta de especialistas em diversos municípios. Para os próximos cinco anos, acredito que haverá um grande avanço no setor da telemedicina. Há estrutura adequada para isso, por um lado, e, por outro, há a redução no orçamento. Isso obriga os gestores a serem mais criativos na busca de soluções com eficiência e agilidade a menor custo. O principal empecilho, como disse, é a falta de divulgação da telemedicina no Brasil. E o desconhecimento leva à resistência. Precisamos romper com isso.