Atualmente, está na moda mencionar a palavra Compliance. O termo em si se origina do verbo em inglês “to comply”, que significa agir de acordo com uma regra, uma instrução interna, um comando ou um pedido. Com efeito, o sentido veiculado pela palavra se traduz no conjunto de disciplinas para fazer cumprir as normas legais e regulamentares, as políticas e as diretrizes estabelecidas para uma determinada atividade ou negócio em seu benefício, bem como evitar, detectar e tratar qualquer desvio ou inconformidade que possa gerar prejuízo.
A intenção principal dessa orientação ou raciocínio é a diminuição do risco e, via de consequência, dos eventos adversos. Considerando que evento adverso representa um incidente no percurso do cuidado, que causou dano ao paciente, sua abrangência engloba todos os aspectos da prestação da assistência à saúde.
O risco, assim, é encarado como algo indissociável em um sem número de atividades. Dada essa característica, convenientemente se trabalha para sua prevenção ou abrandamento – mitigação – com vistas a se perseguir o êxito.
Nas empresas, existem áreas exclusivamente voltadas ao controle e monitoramento dos riscos, visando redução de perdas e otimização produtiva. De igual modo, ainda que não possamos falar de atividade empresarial, a área médica deve voltar sua atenção para o estabelecimento de sua própria “Compliance”. A isso damos o nome de Compliance Médica. Mas afinal, o que poderíamos dizer a esse respeito? Não seria desarrazoado vincular a atividade médica a uma “espécie” de Compliance? Respondo afirmando que não! Não é despropositado estabelecer uma Compliance Médica.
A esse respeito, o objetivo de redução de riscos e otimização de resultados, com alcance exitoso, deve orbitar a atuação médica de forma inafastável. Os ganhos advindos disso são exponenciais.
Primeiramente, porque o setor de saúde como um todo ganha com a redução de contingenciamento financeiro para custear a defesa em inúmeros processos judiciais, que abarrotam os Tribunais de todo o País. Depois, porque pacientes que estão submetidos, cotidianamente, ao risco não almejado estarão inseridos em um contexto de maior segurança, em relação ao cuidado ofertado e, portanto, com reais possibilidades de êxito completo em relação ao objetivo que os motivou a buscar a atividade médica.
Nem se fale do Médico em si. Hoje, existem tantos procedimentos administrativos (em conselhos regionais) e processos judiciais por erro médico que se tornou imprescindível ao médico aumentar sua grade curricular para o estudo da responsabilidade civil médica.
Nossos Tribunais têm sido chamados a decidir sobre centenas e centenas de causas envolvendo a atuação médica e a saúde. Não sem razão é que se cunhou a expressão “JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE”. Se de um lado a culpa médica, tal como evidenciada pelo que se infere da leitura do §4° do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor atua como uma “proteção” ao médico, no que se refere a sua responsabilização, uma vez que basta ao profissional de saúde demonstrar que atuou diligentemente e utilizou-se das técnicas e ferramentas disponíveis pela ciência no cuidado ao paciente, de outro, ao que se infere da leitura do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil a culpa se liga intrinsecamente ao risco inerente a atividade normalmente desenvolvida.
Assim, podemos dizer que existe uma tendência que, aliás, vem se confirmando nos Tribunais, de que a responsabilidade do médico seja aferida, além do parâmetro de atuação diligente, de acordo o modo e forma com que o profissional de saúde lidou com os riscos inerentes a sua atividade. Além disso, vale mencionar que a atividade judicial atual, e não poderia ser diferente, cada vez mais decide, concretizando (literalmente dizendo o que é certo e o que é errado em um determinado caso submetido a sua apreciação) conceitos jurídicos indeterminados com elevada carga de interpretação subjetiva.
Daí porque ser extremamente importante que o médico atue inserido na esfera de proteção oferecida pela Compliance Médica – estruturação discriminada de forma de atuação e respeito protocolar do profissional de saúde em relação aos parâmetros, regras e normas – que trará como resultado a redução do risco inerente e, via de consequência, terá um efeito limitador na interpretação subjetiva do Juiz que, ao apreciar um determinado caso, já terá presente o fato de que o profissional da saúde atuou diligentemente, justamente porque antes de tudo, promoveu a redução do risco inerente ante sua atividade em compliance.
A proposta é de que a Compliance Médica seja uma espécie de certificação rigorosa a ser utilizada na formação do profissional de saúde e que atue, inclusive, como formação diferenciadora no mercado, tanto em benefício do profissional quanto das instituições que o contratam e, ainda, do próprio paciente que se vê assistido segundo os preceitos da qualidade, segurança na assistência e das melhores indicações e práticas recomendadas e aplicadas.
A Joint Commission International, por exemplo, seguindo esta vertente, adota entre seus padrões e propósitos de qualidade para acreditação a verificação dos processos relacionados à compliance, à ética profissional e institucional, além de requerer elementos que avaliam a conformidade com as leis e regulamentos aplicáveis e o monitoramento da qualidade e segurança no âmbito dos serviços de saúde.
Busca desta forma, assegurar a atuação, o comportamento diligente, ético, adequado, monitorado, com base nas diretrizes e práticas embasadas nas melhores referências e evidências, considerando uma ação preventiva e mitigadora, quando indicada, dos riscos implícitos.
É certo que questão se aplica a todos os profissionais da assistência e às organizações e serviços de saúde… Que o segmento possa avançar nesta discussão e reconhecer que este caminho é imprescindível, muito necessário!
*Autores:
Luís Augusto Damasceno Melo (OAB/RJ 170.253). Advogado de Compliance na Superintendência de Gestão de Conformidade e Riscos de FURNAS Centrais Elétricas S.A. Palestrante sobre o tema “Compliance nas organizações” e “Compliance Médica”.
Andréa D. Drumond
Gestora em Saúde. Gerente da Unidade Santa Catarina, na Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil. Trabalhou de 2009 a 2015 como Gestora Hospitalar no Ministério da Saúde e colaborou na estruturação do Programa Nacional de Segurança do Paciente e elaboração dos Protocolos Básicos de Segurança do Paciente. Presidiu a Câmara Técnica da Qualidade e Segurança dos Hospitais Federais no Rio de Janeiro. Educadora do Consórcio Brasileiro de Acreditação para Acreditação Internacional Joint Commission International. Docente e Consultora em Gestão na Saúde, Gestão da Qualidade e Segurança e Acreditação Hospitalar.